VIVENDO E MORRENDO CONSCIENTEMENTE, DO LIVRO "O DESPERTAR DO BUDA INTERIOR" DE LAMA SURYA DAS



Vivendo e morrendo conscientemente

16 de junho de 2020

Agora que o bardo da morte desponta diante de mim,
Eu vou parar de prender as coisas, de desejar e me apegar,
Vou entrar sem distrações na clara percepção dos ensinamentos,
E ejetar a minha consciência para a dimensão da percepção não nascida.
Quando eu deixo este corpo composto de carne e sangue,
Saberei ser ele apenas uma ilusão passageira.

Padma Sambhava em O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS

Nos ensinamentos tibetanos, a morte é mais um momento no qual devemos praticar a atenção plena. Lembrar-se da inevitabilidade de nossa morte, encarar o fato inescapável da nossa própria mortalidade e da impermanência de todas as coisas, pode ser a mais liberadora das meditações, porque apresentar a realidade das coisas como realmente são, ajuda a desalojar o egoísmo grosseiro, o apego e a miopia – colocando nossas vidas na perspectiva correta.

A morte é um espelho, que reflete e ilumina tanto a vaidade quanto o sentido de nossas vidas. A morte é o momento da verdade, quando nos encontramos com a realidade face a face. Para todos nós, é também um momento de oportunidade, quando podemos atingir nossa natureza original. A morte é mais certa do que o amor, e com certeza aguarda a todos nós na doença ou na velhice. A sabedoria perene nos diz que deveríamos nos preparar para o nosso fim, ou que nos tornaríamos melhor preparados para viver – ou morrer – de forma iluminada.

Diz-se que na morte apenas duas coisas contam: o que fizemos em nossas vidas e o estado interior que temos na hora de morrer. Estes dois fatores determinam o que vem depois. Buda ensinou que a experiência real do momento de morrer é crucial para o próximo renascimento, e que no momento da morte ocorrem experiências extraordinárias que oferecem um portal para uma grande libertação. Portanto, a atmosfera física e os estados de espírito daqueles que estão ao redor do moribundo são extremamente importantes, e paz, conforto, gentileza, amor, acessíveis e harmonia ajudam a guiar o morto, da melhor maneira possível, em sua travessia.

Tradicionalmente no Tibete, o Bardo Thodol, conhecido no ocidente como o livro tibetano dos mortos, é lido na cabeceira da cama de alguém que está morrendo, tanto na hora da morte como por vários dias subseqüentes. Ele é uma meditação guiada, lida em voz alta, normalmente por um lama, para ajudar a direcionar o morto ou o moribundo através dos vários estados de transição no bardo. Este maravilhoso livro antigo é uma escritura de sabedoria que nos conduz à liberdade e à iluminação através do reconhecimento da clara luz da realidade na hora da morte, e depois. Ele também mostra como confiar e atingir a clara luz (a qualidade luminosa inata da mente natural) dentro de cada um de nós, nesta vida. Apesar de ter sido ostensivamente escrito para oferecer ao morto ou moribundo conforto, orientação e liberação pela audição,

Bardo1 é uma palavra tibetana que significa "No meio" ou "Em transição". Ensina-se que existe em todos os seis estados do Bardo, acaba oferecendo suas oportunidades específicas. Três delas ocorrem quando ainda estamos vivos: o bardo desta vida cobre o período inteiro desde que nascemos até a nossa morte; o bardo da meditação se refere ao estado meditativo quando entendemos nossa natureza búdica; e o bardo do sonho ocorre quando dormimos, e também pode ser usado para treinar a mente.

Os outros três estados de bardo cobrem o período entre a morte e o renascimento, e especificamente o foco primário do Livro Tibetano dos Mortos.

O Bardo da Morte

Este bardo se refere ao processo de morrer em si. No Tibete, a morte é considerada um processo de purificação, porque estamos voltando para clara luz, nosso estado natural intrínseco de luminosidade – estamos nos dissolvendo nele. No momento da morte, esta clara luz da realidade desponta para cada um de nós. É a nossa própria natureza radiante, algumas vezes chamada de Rigpa – o estado desesperado e iluminado. Entretanto, para podermos realmente nos beneficiar deste “Momento da Verdade” e alcançar a libertação, precisamos estar preparados. Se não, ele vai nos escapar rapidamente. Como a maioria de nós ainda está ligada aos hábitos e padrões de comportamento estabelecidos na vida, não regulamos a luminosidade pelo que ela é. Reagimos de forma não observando e inconscientes. Em vez de mergulharmos nela, em um ato de fé, nos entregando à luminosidade, nos fundindo nela. E assim o momento passa. As instruções de Kalu Rinpoche para esse momento de grande luminosidade foram: "Solte o corpo e a mente, e dissolva-se na clara luz da luminosidade interior. Reconheça o raiar da clara luz e se liberte neste instante. Enxergue além das ciladas, do dualismo da vida e da morte".

O Bardo do Dharmata (Realidade)

Neste segundo estado de bardo, temos outra oportunidade de alcançar a libertação. Kalu Rinpoche disse que a coisa mais importante para nos lembrarmos aqui é que, como nos sonhos, tudo o que vemos aqui é criação de nossas mentes, e pode ser mudado, da mesma forma que podemos acordar dentro dos sonhos e alterá-los. Neste estado, é como se sonhássemos, e nada mais pode realmente nos fazer mal. A liberação pode ocorrer se conseguirmos acabar com a resistência e as dúvidas, soltar tudo e nos entregar à luminosidade inata da mente natural. Se não pudermos fazer isso, então o próximo bardo será inexoravelmente resultado.

O Bardo do Vir-a-Ser

Neste terceiro estado de bardo pós-morte, nossas percepções estão voltando. Novamente, temos preferências e aversões, e somos atraídos por lugares e pessoas que nos são familiares. À medida que nossos apegos, paixões e propensões cármicas começam a se afirmar, estamos nos aproximando do renascimento. Nesse momento, faríamos bem em voltar nossas mentes para os interesses do bodhisativa, que são beneficiários e servir todos os seres sem discussões. Livres das ciladas da atração e da repulsão, devemos procurar o meio ambiente oportuno para exercer o voto de bodhisativa. Se você achar que está neste estado do bardo, através da coragem destemida e da visão pura, vá além e abandone sua atração e seu desejo pelo homem e mulher que se unem em união sexual. Em vez disso, perceba este casal amoroso, que serão seus novos pais, como um casal búdico – Sr. Sabedoria e Compaixão. Graciosamente, entre neste templo humano e encontre sua nova vida.

Vivendo a Morte: Uma Meditação

Todos nós temos que nos confrontar com as questões da vida e da morte. Quer seja a morte de um idoso familiar ou o nascimento de um filho, o nascimento e a morte são parte da vida. A filosofia, a ciência, a religião, as artes lidam com a vida e a morte, e com a morte ou renascimento. Todos nós nos perguntamos o que acontece quando morremos. Será que a morte é o nosso fim? E o que isso significa para nós? Como podemos dar mais sentido às nossas vidas?

Existem diversas religiões e culturas, mas todas alinhadas de pelo menos um princípio comum: todos têm ritos, rituais e especialistas para lidar com a morte e o morrer. Estes ritos nos oferecem conforto e segurança diante da precariedade e da insegurança da existência. Será que continuamos? Será que aconteceremos um fim abrupto? Não existe mais nada? E o céu? E o inferno? Existe vida depois da morte? Vamos nos confrontar com Deus ou com o carma? Verdade ou consequência? Como podemos ter certeza de qualquer coisa? Isso pode ser verificado ou estamos esperando para acreditar e confiar em um mito ou na imaginação? Acreditamos nas pessoas que tiveram histórias de experiências de quase morte? Acreditamos em Edgar Cayce e nos outros vídeos? acreditamos nos lama encarnados, Muitos dos quais dizem que se lembram de vidas passadas e parecem ter algum controle consciente sobre o processo – como se estavam evoluindo, por escolha, através de diferentes níveis da escola espiritual? Como podemos saber? Quem sabe?

Os budistas perceberam há muito tempo que contemplar a própria mortalidade é uma prática que ajuda a ter foco e estabelecer prioridades. A vida espiritual, uma jornada de despertar e dar sentido às nossas vidas enquanto aprendemos a amar, é na verdade uma questão tanto de vida quanto de morte. A precariedade da vida nos ajuda a permanecer totalmente dispersos no aqui agora.

O que o budismo tibetano nos oferece, juntamente com seus ensinamentos pragmáticos e éticos, é uma forma de lidar com a própria experiência da morte – uma forma de encarar a morte no momento presente. Este treinamento pode nos ajudar muito a lidar com o momento da morte. Passamos a apreciar mais, estar mais atentos e mais abertos a cada momento da vida, que se torna mais pungente devido à sua absoluta impermanência.

Ao aprender a deixar esta vida ir embora, aprender também a viver cada momento sem arrependimentos. Aprendemos a tomar decisões sem consequências. Cada decisão se torna uma decisão certa. Ao aprender a largar as coisas na vida, abandonamos nossos rancores, obtemos o perdão e nos aliviamos do fardo do ressentimento, da amargura e da hostilidade. Assim, chegamos a uma conclusão e podemos soltar velhas tristezas e queixas antigas, deixando estes padrões congelados morrerem. É assim que morremos sem arrependimentos, enquanto aprendemos a viver de novo. Aqui, neste momento. Respiração por respiração. Eis aqui uma meditação que nos ajuda a fazer isso:

Respire profundamente relaxe. Deixe tudo se acomodar. Esteja totalmente presente, naturalmente presente, sem esforço. Você está sendo enviado por um instante, um instante eterno. Não perca o momento. Só existe isso.

Sinta tudo, como é. Esteja presente, alerta, desesperado e relaxado. Abra-se para a presença sem esforço, para a consciência pura. Uma presença total. Tenha consciência de estar consciente, uma percepção luminosa, sem centro, aqui e agora. Deixe que tudo aconteça sem esforço, de forma transparente. Abandonar o controle, a manipulação e o julgamento.

A cada respiração, solte um pouco mais. A cada respiração, solte, relaxe, abra e centre-se cada vez mais profundamente. Cada expiração é uma pequena morte. Simplesmente esteja com a expiração, e cada expiração solte um pouco mais. Um pouco mais… solte os nós do seu psiquismo. Relaxe. Largue tudo. Solte a tensão dos ombros, expire-a. Expire aquele pensamento, aquela lembrança, solte, solte, solte…

Solte a expiração. Morra um pouco a cada expiração. Morra no momento presente. Qualquer sentimento sinta, deixe-a partir. Largue o corpo, largue a mente, largue os pensamentos e a personalidade. Largue tudo. Solte. Largue sua autoimagem, sua casa, suas posses, seus planos, sua carreira. Solte. Tudo está perfeitamente resolvido na mente natural que não nasce nem morre.

Abandone as tentativas de controlar a mente. A cada expiração, solte. Aperte a absorção do desespero espiritual e desengrene a marcha. A cada expiração, solte mais alguma coisa – o que vem à cabeça, uma sensação, uma emoção, um sentimento, um relacionamento uma pessoa, um medo, uma posse. Respiração à respiração, momento a momento – simplesmente solte tudo. Habitue-se a evoluir, a se transformar, a passar sem resistência, sem se agarrar, sem apegos. Respiração a respiração, vá soltando. Deixe todas as aparências ilusórias irem embora.

A cada respiração, perdoe aos outros. Perdoe às pessoas de seu passado – aquelas com quem não tem mais contato, e também as que ainda estão ao seu redor. Perdoe a sim. Aceite os outros como são. Aceite totalmente a si mesmo. Deixe tudo ser como é. Isto é sabedoria em ação. A cada respiração, abandone o medo, a expectativa, a raiva, a lamentação, o desejo, a frustração, a fadiga. Abandone a necessidade de aprovação. Abandone os velhos julgamentos e as opiniões. Morra para tudo isto, e voe livremente. Eleve-se na liberdade da ausência de desejos.

Solte. Deixe. Veja através de tudo seja livre, completo, luminoso e volte para casa.

Com este tipo de meditação, as camadas sutis que formam quem nós começamos a nos arrumar, e nós penetramos mais profundamente em nosso estado natural – o estado despojado do ser autêntico. Isto é uma transformação ocorrida aqui e agora. Um renascimento espiritual.

Nota

1. período

Fonte:http://www.nossacasa.net/shunya/vivendo-e-morrendo-conscientemente/

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