Semelhanças entre o budismo
e o cristianismo:
Contribuições Ecumênicas do Oriente para o Ocidente
Pretende mostrar as semelhanças históricas e
conceituais entre o Budismo e o Cristianismo, além de fornecer subsídios sobre
a filosofia Budista acerca do Vazio, Sincretismo, Ecumenismo, Santidade
Feminina e o Eu.
Monografia apresentada à Coordenação do Curso para
obtenção do grau de Licenciatura Plena em Ciências da Religião, chancelado pela
Universidade do Vale do Acaraú - UVA, em convênio com a Faculdade de Educação
Teológica do Nordeste – FAETEN.
Este trabalho é o reflexo de quase cinco anos de
estudos e reflexões acerca do enigma da inexistência de diferenças entre as
religiões, realizado através de pesquisa bibliográfica comparada.
A principal diferença, e talvez única que exista
entre as religiões, é que cada religião guarda uma determinada "tecnologia
espiritual" que poderia complementar e ajudar suas irmãs a se
desenvolverem espiritualmente, quando vistas com olhos ecumênicos.
Traçamos as principais semelhanças entre o Budismo
e o Cristianismo, atendo-se mais à corrente Cristã do Catolicismo Romano, e à
corrente Budista Tibetana.
A bibliografia selecionada teve como fundamentos
principais a Bíblia Sagrada, em especial o Livro de Mateus; o livro "O
Evangelho de Buda", do monge Swami Kharishnanda (1998); a obra
"Religiões da Humanidade", do Padre Waldomiro Piazza (1991); e
"O Despertar do Buda Interior" do Lama ocidental
Surya Das (2001). Os termos sublinhados constam no glossário ao final da obra.
Este trabalho pretende quebrar muitas barreiras e
dogmas, mostrando visões de certa forma polêmicas, quando destroça o mito do
ateísmo Budista. Ateísmo seria a negação ou a omissão em falar sobre Deus? Como
o Budismo é então uma religião? Existem Divindades no Budismo?
O trabalho foi dividido em três capítulos,
mostrando no Capítulo I a Origem de cada religião separadamente e suas linhas
de atuação na atualidade;
O Capítulo II dá um esboço nas semelhanças de fatos
históricos entre as duas religiões, penetrando ainda no campo da Devoção a
Maria e ao Buda Feminino, nas Mortificações e no Proselitismo. Uma análise
sobre o sincretismo é explanada especialmente sobre o ponto de vista oriental,
com suas vantagens e conseqüências co-relacionadas.
No Capítulo III apresentamos as semelhanças
doutrinárias, procurando intermediar o "fosso" entre o esforço para
Iluminação Oriental e Graça Divina do Ocidente. O Budismo centra todos os
esforços espirituais no esforço humano, enquanto no Cristianismo é enfatizada a
fé como suficiente para a graça Divina. Como conciliar e encontrar semelhanças
entre estes dois pontos opostos? Este é mais um quesito a ser analisado e
debatido. Debatemos ainda sobre a complexa Doutrina do Vazio,
sua relação com a vida cotidiana, prática religiosa e a Negação de Si mesmo; a
Fé e as Divindades Budistas .
Esta monografia tem ainda como objetivo esclarecer
o Catecismo budista a partir do ponto de vista de um ocidental que tem tradição
familiar no Cristianismo, mas que tem estudado o Budismo Tibetano, Budismo Zen,
o Hinduísmo reformado de Sri Ramakrishna e os Movimentos Gnósticos
contemporâneos, como forma de lançar bases educativas para o corpo docente e discente
da área de Ciências da Religião, que precisam romper as amarras que os prendem
aos conceitos dogmáticos do Ocidente e do Cristianismo em especial, a ponto de
considerar as Escrituras Sagradas e Deus unicamente em sua tradição religiosa,
excluindo as restantes, como outrora no período medieval. Nosso tempo não é
mais um tempo de dominação, mas um tempo de ênfase no resgate da paz entre os
povos. E enquanto houver os preconceitos, inclusive religiosos, jamais o mundo
poderá viver em paz.
A grande tentativa desse trabalho foi explorar de
forma filosófica e antropológica os fundamentos, semelhanças e contribuições
das duas culturas. Acima das diferenças de linguagem, épocas, costumes,
história, influências sociais e econômicas, procurou-se penetrar na essência
das religiões, no real sentido e resultado que servem a cada ser humano que
pratica e se aprofunda sinceramente em sua tradição.
Ao final do estudo, cada um poderá tirar suas
próprias conclusões: são o Budismo e o Cristianismo irmãs gêmeas? É possível o
Ocidente aprender com a espiritualidade Oriental? É possível aprendermos
espiritualidade em outras religiões sem abalar a fé?
Não há intenção alguma em se pôr ponto final a
estas questões, mas de gerar idéias novas, palpitantes e férteis, que aproximem
não simplesmente as culturas, mas principalmente os povos.
1. ORIGEM E CORRENTES ATUAIS DO
CRISTIANISMO E BUDISMO
1.1 Cristianismo
O Cristianismo tem início em meados do Século I com
Jesus Cristo, absorvendo e reformando o Judaísmo da época.
Perseguido por ser considerado blasfemo ao se
anunciar como filho de Deus, Jesus é preso e morto na cruz. Após 03 dias
ressuscita, e encarrega seus discípulos de difundirem seus ensinamentos. Seu
grande organizador é o apóstolo tardio Paulo.
Os Cristãos são perseguidos até o ano 313 d.C.,
quando o imperador romano Constantino lhe concede liberdade de culto. Em 392
d.C. torna-se a religião oficial do império, e no fim da Idade Média se expande
para a América e Ásia. No século XIX chega a África (Almanaque Abril, 2004,
p.126-127).
Divide-se principalmente em três ramos:
Catolicismo, Ortodoxos e Protestantes.
Catolicismo:
Católico deriva do grego, e quer dizer Universal.
Tem rígida hierarquia centrada no Papa em Roma, e suas principais
características são a canonização de seus mártires, considerados intermediários
entre Deus e os homens; a devoção a Maria, considerada intermediária entre os
Cristãos e Jesus, seu filho; e as missas. A expansão do Catolicismo associa-se
com a expansão do império romano. Em 1960 surge dentro do Catolicismo a
corrente chamada Renovação Carismática, que introduz técnicas de manifestação e
cura do Espírito Santo. No mesmo ano surge o movimento da Teologia da
Libertação, principalmente na América Latina, com o emprego de teorias
marxistas para defender a justiça social e a opção pelos pobres. (Almanaque
Abril, 2004, p.127-128).
Ortodoxos:
Surgiu em 1054 quando o Império Bizantino rejeitou
a hierarquia da Igreja de Roma. Veneram santos, utilizam os mesmos rituais, mas
rejeitam a infalibilidade papal, o purgatório (lugar intermediário entre o céu
e o inferno) e a doutrina da Imaculada Conceição, na qual Maria teria nascido
sem pecado, concebido virgem e ascendida aos céus em vida. Aceita o casamento
dos padres.
Possui quatro sedes: Jerusalém, Alexandria,
Antioquia e Constantinopla (Almanaque Abril, 2004, p.129).
Protestantismo:
Oriunda da Reforma Protestante da Europa no século
XVI, onde se abolem os cultos às imagens, aos santos e à Virgem Maria;
suspende-se o celibato dos padres e o uso do latim nas liturgias. Divide-se
ainda em Protestantismo Histórico, Pentecostais e Neopentecostais.
O Protestantismo histórico abrange
as Igrejas surgidas com a Reforma, que são a Luterana, Presbiteriana, Batista e
Metodista.
Os Pentecostais surgem em
1906, em Chicago, E.U.A, em um movimento denominado "Santidade",
através da crença no poder do Espírito Santo para curar e garantir a
santificação. Atenção especial para a técnica chamada "glossolalia",
que é o dom de falar línguas desconhecidas. Incluem-se centenas de Igrejas,
tais como Assembléia de Deus e Deus é Amor.
O Neopentecostalismo é
formado por grupos autônomos saídos do Pentecostalismo, que extrapolaram as
tradições deste grupo, tais como o forte tom emotivo dos cultos, forte presença
na mídia, expulsões de demônios seguidos de conversão, e felicidade em vida
através de doações à Igreja. Destacam-se as Igrejas Universal do Reino de Deus
e a Sara Nossa Terra.
Há ainda grupos saídos do Protestantismo que se
apóiam em outras doutrinas ou revelações externas à Bíblia. São as Igrejas dos
Mórmons, Adventistas e Testemunhas de Jeová (Almanaque Abril, 2004, p.129-133).
1.2 Budismo
O Budismo nasceu no Século VI a.C. na Índia, com o
príncipe Sidarta Gautama, que após passar uma vida de luxos afastado de
qualquer ato que pudesse mostrar sofrimento, muda radicalmente ao ver um
doente, um velho e um cadáver, abandonando seu palácio para encontrar a
Verdade. Depois de pesadas mortificações, vê que o importante é o equilíbrio em
sua vida, senta-se para meditar, vence o demônio dos desejos e se Ilumina,
reformando a religião predominante, o Hinduísmo, para abrir a espiritualidade a
todas as pessoas. Morre aos 80 anos.
Em 253 a.C. o budismo propaga-se por vários países
sobre o cetro do rei indiano Ashoka, que após longas batalhas imperialistas
para ampliação do seu reino, arrepende-se da matança e converte-se ao Budismo,
devido o exemplo compassivo de sua esposa.
No século I desenvolvem-se os conceitos Mahayanas (Grande
Veículo), em contestação aos monges que reservavam unicamente para si a
condição de devotos, designando que a Iluminação seria conseguida mais
rapidamente com o sacrifício pelo outro, ao invés de enclausurar-se do mundo.
Isso propaga rapidamente o Budismo entre os leigos, assemelhando-o muito ao
Cristianismo, mas é freado no século VII, após a invasão muçulmana na Índia.
No Século VII, ao adentrar nas fronteiras do Tibet,
o budismo mescla-se com a religião local chamada de Bon, e adota os
ritos mágicos, a devoção e até alguns Deuses Hindus. Este Budismo foi chamada
de corrente Vajrayana (Veículo de Diamante).
A religião Budista é altamente sincretista, pois
Buda não é considerando um Deus, permitindo assim seus seguidores conviverem
com outras religiões (Almanaque Abril, 2004, p.134).
Suas correntes de pensamento são basicamente as
linhas Theravada, Tibetana e Zen.
A corrente Budista Theravada são
os ortodoxos do Budismo, que enfatizam a vida monástica e seguem fielmente suas
escrituras sem aceitar nenhuma alteração. É comum na Tailândia, Ceilão, Sri
Lanka e todo o sudeste asiático (Dharmanet, 2005).
A corrente Tibetana teve sua
origem no Tibet no século VII d.C., com a vinda do Mestre Indiano de nome
Padmasambhava, e enfatizam a devoção aos Mestres chamados de Lamas,
e rituais mágicos advindos da religião primitiva do Tibet. Padmasambhava era
dotado de muitos poderes, e as tradições tibetanas asseguram que ele era um
"não nascido", ou seja, não nascido de um ventre, pois ele
simplesmente surgiu.
O Budismo tibetano divide-se ainda em quatro
grandes escolas, das quais o Dalai Lama é o chefe
espiritual de uma, além de ser o chefe político da nação tibetana, invadida
pela China em 1959.
Todas as correntes tibetanas praticam as técnicas
tântricas, que são métodos de meditação dotados de grande poder, oriundos da
região da Caxemira na Índia, que podem incluir práticas de união sexual
(SAMUEL, 1997, p.103). Por isso, alguns Mestres Tibetanos são casados. O
Budismo Tibetano disseminou-se também no Nepal, Mongólia e quase toda a região
próxima ao Himalaia.
A corrente Zen foi muito difundida
na China, Coréia, Vietnam e Japão, e enfatiza a intuição e a meditação, sem dar
grande esboço às teorias (PIAZZA, 1991, p.278-322). Difundiu-se muito no Japão,
a ponto de se confundir com o próprio povo japonês, pois sincretizou as
correntes tradicionais, como o Xintoísmo e o Confucionismo, aliando-se ao
governo quando este favorecia o povo (PIAZZA, 1991, p.321-332). Sua técnica
revolucionária prega a aniquilação da lógica mental, deixando a mente em seu
estado natural, seja através de meditações com perguntas sem respostas,
chamadas de Koans, seja através do Zazen, que é uma
meditação que visa estender o espaço de tempo existente entre cada pensamento,
o chamado não-pensar.
Seria o Cristianismo um Budismo simplificado?
A complexidade da filosofia do Budismo, e a extrema
simplicidade prática e emocional de Jesus, podem aparentar um grande fosso
entre ambas. O próprio Buda reconheceu logo após sua iluminação que o
conhecimento adquirido seria muito difícil de ser entendido, chegando até mesmo
a pensar em não divulgá-lo para ninguém.
Mas nas suas práxis podem ser detectadas numerosas
semelhanças, tanto históricas quanto doutrinárias.
Iniciaremos analisando as semelhanças históricas de
vários eventos ocorridos entre Eles, os familiares e discípulos com os quais
conviviam.
2.1 As mães Imaculadas
Os nascimentos de Buda e Cristos guardam
semelhanças entre a santidade de suas mães e seu sangue real, como que
justificando uma genética espiritual em botão desenvolvido até o ponto máximo
por seus filhos pré-destinados.
Buda nasce de uma Rainha, que é imaculada e pura de
desejos, de nome Mayadevi (KHARISHNANDA, 1998, p. 23-25).
Jesus nasce de Maria, a virgem imaculada, cujo
esposo possui uma descendência real oriunda do Rei Davi (Mt 1,1-25). Com o
passar dos tempos, Maria foi adorada como a consoladora, a protetora, a
negociante das recompensas e alívio dos castigos, sendo uma das Santas de
máxima adoração dentro do catolicismo.
No entanto, enquanto Maria é santificada por ser a
Mãe Imaculada do Salvador, não acontece o mesmo a mãe de Buda, Mayadevi.
Mayadevi com todas sua virtudes, após a morte de
seu esposo, abandona seu palácio, converte-se ao Budismo juntamente com seu
neto e nora, a família constituída por Buda antes de abandonar o palácio, e
todos se tornam monjes. Mas o Budismo sente a necessidade do acalento de uma
Divindade feminina, e só doze séculos após, com a introdução do Budismo no
Tibet, é que passam a adorar uma Divindade oriunda da Índia, a Arhat conhecida
pelo nome de Tara.
O Budismo tibetano, embora seja uma religião dominada
pelos homens, já que a grande maioria dos seus líderes Lamas é
masculina, possui uma grande devoção por Tara, considerada a protetora do Tibet
(DAS, 2001, p.264). Semelhante também com as protetoras ou
"padroeiras" dos estados e municípios do Brasil, as "Nossas
Senhoras".
Tara é um ser que se sacrifica para proteger e
liberar todos os seres. Sua história indica um combate ao machismo, à crença
ilusória da superioridade masculina, tal como houve no Judaísmo, Cristianismo e
Islamismo. Em um tempo que se perde no espaço, Tara meditava e irradiava muita
energia, quando foi avistada por alguns monges que ao vê-la exclamaram:
"Grande meditadora, fazemos voto que na próxima encarnação você possa
nascer como homem!". Tara respondeu: "Meu desejo é que enquanto haja
seres sofrendo, eu possa renascer com o corpo feminino. Estes são meus
votos." Tara deu a lição que o caminho da liberação não está limitado ao
sexo masculino (TARANATHA, 2005). A devoção a Deusa Tara emocionou e entrou
como um raio nas camadas populares da nação Tibetana.
Já o Cristianismo Católico tem sido muito criticado
e incompreendido devido à sua devoção a Maria, que ao lado de São Francisco,
são os santos mais festejados dentro das camadas populares. As críticas têm
vindo especialmente das correntes protestantes, tendo em vista que a Bíblia não
relata fatos especiais que evoquem sua santidade, como por exemplo, martírios,
torturas, milagres ou alguma reforma que tenha feito no Cristianismo. A grande
maioria dos santos teve suas beatificações por martírios (Pedro, Paulo, Santa
Claus), pelas reformas que fizeram (Tomás de Aquino e Agostinho), ou pelos
milagres e poderes (Francisco de Assis, Santa Tereza D´avila). Já um outro
grupo de santos foi canonizado por motivações políticas por expandirem violentamente
os domínios da Igreja, como no caso dos santos das Cruzadas.
E Maria? Suas maiores proezas são o acompanhamento
dos sofrimentos do filho, sem perder a fé. No entanto, podemos analisar com
mais profundidade a santidade de Maria, acima das Escrituras e encontrando a
essência religiosa da devoção.
Tal devoção vem do sentimento de necessidade do
amor maternal, considerado o maior amor terreno que possa existir. O amor da
mãe é incomensurável, sem limites, sem lógica, sem leis, acima do amor filial,
fraterno, sexual e qualquer outro sentimento que possa existir. O alento,
alimento e sentimentos dos filhos são todos ensinados com a ternura materna. E
se fisicamente é assim, por relação e similaridade, o indivíduo que é filho
devocional de uma religião, sente a necessidade de um Deus-Mãe, um Deus
flexível, consolador, protetor, sentimental, acalentador. Algo que não se vê no
aspecto masculino do Deus-Pai, especialmente o Deus do Antigo Testamento,
guerreiro, vingativo, rígido e recompensador.
A devoção de Deus-Mãe remonta desde as religiões
mais primitivas até nossos dias, como o culto da Mãe do Grande Espírito dos
povos siberianos de 20.000 a.C.; Deusa Ísis do Egito em 3.200 a.C.; Ishtar na
Mesotopâmia em 3.000 a.C; a Deusa Kali do Hinduísmo em 2.000 a.C.; e a Deusa
Atenas da Grécia em 1.500 a.C (PIAZZA, 1991). Todas essas Deusas tinham uma
veneração tão importante quando ao Deus Supremo de todas essas culturas, como
Zeus, Brahma, Osíris, Tupã, Amon etc.
O Judaísmo retirou o elemento feminino da devoção,
e o Cristianismo o retornou. E a grande figura a preencher esta lacuna é Maria,
que mesmo sem participar ou entender profundamente todo o drama do Filho que
culminou com sua dramática morte, o apoiou sem hesitar nenhum momento.
A devoção a Maria é um culto essencial, matriarcal,
de sentimentos profundos, que preenche os corações dos devotos, especialmente
os mais simples. E se torna o devoto mais sensível, mais espiritualizado, mais
consolado e firme na compaixão Cristã, de forma nenhuma há que se renegar esse
desenvolvimento devocional acontecido no Cristianismo, assim como muitas
mudanças, acréscimos e técnicas foram implementadas no Budismo ao longo dos
séculos por milhares de Lamas, Rinpoches, Swamis e
Mestres Budistas em geral.
2.2 As profecias após o nascimento
Os nascimentos de Buda e Cristo foram considerados
em suas épocas distintas como marcos espirituais, pois seriam o advento da
vinda dos Mestres dos Mestres, aqueles que abririam os olhos até mesmo dos
maiores Mestres de seus tempos.
Mesmo com a diferença cronológica de 500 anos entre
os dois nascimentos, duas pessoas aclamadas como sábias fizeram profecias
semelhantes sobre a missão que estas crianças desenvolveriam no mundo.
Buda foi profetizado pelo sábio de nome Asita, que
ao vê-lo, profetizou que ele libertaria o mundo (KHARISHNANDA, 1998, p.23-25).
A liberdade do mundo profetizada por Asita abrange
dois objetivos: o sofrimento e o social. A libertação da cadeia de sofrimentos
profetizada aconteceu na época de Buda devido sua religiosidade estar centrada
nisso, abominando as especulações e a necessidade peremptória dos ritos, que
era a crença predominante da época. Houve também a libertação social, pois sua
segunda abominação foi a separação dos indivíduos em castas, que excluía
àqueles sem hereditariedade nobre, os chamados párias. Assim, para
estes, os ritos de purificação e recompensas celestes não estavam disponíveis,
restando apenas uma vida física e espiritual de plena amargura.
No Cristianismo temos a figura do Simeão, que já na
sua profecia encaixa dor e separação, quando relata que haverá quedas de muitos
em Israel, e será alvo de contradição:
Ora, havia em Jerusalém um homem cujo nome era
Simeão; e este homem, justo e temente a Deus, esperava a consolação de Israel;
e o Espírito Santo estava sobre ele. Simeão o tomou em seus braços, e louvou a Deus,
e disse: E Simeão os abençoou, e disse a Maria, mãe do menino: Eis que este é
posto para queda e para levantamento de muitos em Israel, e para ser alvo de
contradição. (Lucas 2,25-34).
E aconteceu mesmo a consolação de Israel, pois com
Jesus também os excluídos passaram a absorver a benevolência de Deus,
independente de ser escravo, gentio, pagão ou estrangeiro. O Judaísmo da época
além de impor inúmeras regras impossíveis de serem cumpridas, enfatizava por
demais a hereditariedade judia, excluindo os que não possuíssem o caráter
genético. Enfrentar o poder espiritual dominante foi o ponto central da
perseguição de Jesus, pois Roma procurava não interferir nestas questões
religiosas tão difíceis de Israel. Mexer nesse barril de pólvora seria estourar
rebeliões em todos os recantos, o que dificultaria a dominação romana e o
recolhimento de impostos. Mais fácil seria dar liberdade religiosa.
E Cristo veio e plantou a contradição, trazendo uma
nova concepção ao Judaísmo, sem muitos rituais, sem muitas exigências de
purificação e provocando uma divisão de águas entre os abertos a mudanças e os
retrógrados.
2.3 A busca dos predestinados
Procede ainda grande semelhança entre a procura dos
Reis Magos pela criança Jesus e a tradição do Budismo tibetano à procura das
crianças consideradas reencarnações de Mestres espirituais, tais como os Lamas (Instrutores),
tradutores e os regentes políticos, os Dalai Lama.
Que mistérios guardam a predestinação da nascimento
de certas crianças, gerando a procura dos doutores da época por seu encontro?
O Budismo encontra uma explicação mais plausível,
pois defende a Reencarnação. Então grandes Mestres voltam a encarnar
sucessivamente por amor à humanidade, para que assim todos os seres cessem seus
sofrimentos. Poderiam ficar nas regiões paradisíacas, celestes, gozando da
boa-venturança, mas o amor lhes move ao sacrifício de se manifestarem
fisicamente, com todas as dores, humilhações e intolerâncias que isso traz
(DAS, 2001, p.128-129).
Já o Cristianismo tem nessa passagem atualmente
apenas a exposição do cumprimento das profecias, pois não aceita mais a
reencarnação. Como dar lógica a vinda de seu maior Mestre, o Deus vivo em
carne, se não há toda uma expectativa? Mas a aceitação da reencarnação ou
transmigração das almas nem sempre foi assim no Cristianismo, pois até os seis
primeiros séculos do Cristianismo a crença na reencarnação era comum:
A crença na reencarnação constituía um dos dogmas
das comunidades cristãs primitivas, mas depois foi considerada herética e
banida da teologia cristã no Segundo Concilio de Constantinopla em 553 d.C.
(KERSTEN, 1998, p.28).
Os sábios reis Magos, oriundos provavelmente da
Pérsia, terra de conhecimentos mágicos, sobrenaturais, astrológicos, místicos e
até astronômicos (pois seguiam uma estrela), chegaram exatamente no ponto certo
do encontro do menino, tão distante da cidade que nem mesmo o Rei Herodes tinha
conhecimento.
Este é o mesmo procedimento utilizado pelos sábios
do Tibet, mesmo na atualidade. No século XIX, uma expedição foi criada com a
missão de encontrar a reencarnação do atual XIV Dalai Lama,
e esta se baseou em pistas dadas em vida pelo Dalai Lama anterior; nas
indicações de um monge funcionário do governo com poderes para ver o futuro,
denominado de Oráculo; nas meditações e visões do monge regente do
Tibet; e nos cálculos dos Astrólogos do governo, pois a Astrologia é largamente
utilizada pelo governo e cidadãos tibetanos em geral (KERSTEN,1988, p.98-100).
2.4 A prova das tentações
A similaridade do caminho percorrido pelos dois
Mestres encontra-se também no isolamento de ambos, onde são tentados por
demônios para que abandonem o caminho espiritual em favor da opulência, luxúria
e riquezas.
Sofrem grandes martírios, indicando a necessidade
de controle sobre o corpo.
Após o domínio sobre o corpo, enfrentam as provas
de domínio sobre a mente e a força de vontade em enfrentar sua missão.
Buda conviveu com ascetas Jainistas que praticavam
horrendas mortificações no corpo e na mente, para assim ter domínio da mente.
Dentre as mortificações destaca-se fechar as mãos muito fortemente e por muito
tempo, a ponto das unhas atravessarem as palmas; calçar sandálias com pregos;
dilacerar suas carnes com laminas ou fogo; morar e dormir com cadáveres.
Alimentava-se com apenas dois grãos de arroz por dia, tornado-se tão
esquelético que ao tocar o estômago, atingia a coluna (KHARISHNANDA,1998,
p.56-57).
Após seis anos de penitências e meditação, tendo-se
isolado dos seus companheiros ascetas, é tentado por Mara, príncipe das trevas,
com cenas de luxúria, poder e riquezas (KHARISHNANDA,1998, p.62-63).
Já Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto
para ser tentado pelo diabo (Mt 4,1-1). Jejuou também quarenta dias e quarenta
noites no deserto (Mt 4,2).
As horrendas mortificações de Buda são também
semelhantes ao sofrimento de Cristo na prisão e na cruz. Os fatos da tortura
cristã inspiraram por séculos a penitência sangrenta como forma de expiação dos
pecados. Muitas dessas penitências intentavam imitar seus sofrimentos, seja martirizando-se
com objetos cortantes, seja sendo pregado com parafusos na cruz.
Estas tradições chegaram até nossos dias, tendo
como exemplo um grupo de penitentes na cidade de Barbalha, interior do Ceará,
que costumam fazer rituais de autoflagelação:
Mas o Cariri não abriga apenas fanáticos aguardando
o fim do mundo. Grupos de penitentes que praticam a autoflagelação como forma
de penitência para aplacar a ira de Deus, obter o perdão dos pecados e chegar
ao paraíso, são ainda mais numerosos. Um dos mais tradicionais é o do Sítio
Cabeceiras, em Barbalha, cidade a menos de 20 quilômetros de Juazeiro do Norte.
Liderado por Joaquim Mulato de Souza, 77 anos, o grupo é uma tradição que vem
sendo mantida há pelo menos quatro gerações. (...) As orações são centenárias.
A penitência diária para as mulheres é a oração. Já os homens se submetem a um
ritual muito mais impressionante que remete aos primeiros séculos da Igreja e a
santos mártires e guerreiros como São Sebastião e São Bernardo. Usando chicotes
com lâminas afiadas de metal nas pontas, eles se autoflagelam durante longos
períodos, enquanto cantam orações onde se louvam sacrifícios, a dor e a
redenção que ela traz, como aconteceu com Cristo (ISTOÉ, 1997).
Após tantos séculos, as penitências físicas conseguem
perdurar dentro de pequenos grupos, como forma de purificar os pecados e seguir
o caminho do Cristo através do domínio da dor no corpo.
A grande diferença entre a tortura do Cristo e as
penitências sangrentas destes grupos, é que o Cristo o fez por um motivo maior,
e não por questões pessoais. Cristo também entrou em uma novela de penitências
com sua prisão, tortura e crucificação, e por vontade própria, mas isso fez
para sua mensagem perdurar por séculos, e não para ganhar alguma recompensa
espiritual como fazem os penitentes. De outra maneira, talvez o Cristianismo
não houvesse se difundido tanto. Imaginem se Cristo não tivesse sido
crucificado. Será que isso conseguiria comover tanta gente? Que grande exemplo
de vida ele teria dado?
Agora, um homem santo, puro, que enfrentou todos os
poderosos da época para ajudar os desamparados, e como conseqüência foi preso,
dilacerado e morto nu, vergonhosamente exposto para uma multidão, é algo muito
forte para que não deixemos de nos interessar que força era essa que esse homem
tinha, e o que tinha para ensinar. Alguém bom sofrendo injustiças é algo que
mexe no fundo do ser humano, que atravessa o coração. E essa é a porta de
entrada do Cristianismo.
Os penitentes querem seguir Cristo em seus
sofrimentos na carne, mas não seguem sua vida de compaixão e ajuda aos outros,
tentando melhorar a vida dos mendigos, das crianças de rua, dos presidiários e
dos violentos. Preferem distanciar-se da vida. Muito semelhante ao
pós-modernismo, em que se prefere morrer um uma escalada de montanha, do que
enfrentando poderosos para ajudar necessitados.
Dentro do Budismo não há mais essas penitências, no
máximo jejuns ou retiros espirituais com pouca alimentação. Sacrifício só se
for pelo próximo.
Antes do Século I o Budismo não era assim, onde os
monges isolavam-se da sociedade e faziam grandes sacrifícios em retiros nas
cavernas, com disciplinas pesadíssimas de meditação e jejuns. Uma dedução
bastante plausível para estas mudanças é que os missionários Cristãos da época
tenham influenciado os grandes Mestres Budistas a mudarem seus conceitos de
sacrifício monástico para o sacrifício pelo próximo.
2.5 O preconceito no início da
missão
Embora encerrem o nascimento de Mestres dos Mestres
de suas épocas, profetizados como os possuidores dos maiores atributos divinos,
Buda e Jesus também foram humanos e viveram em determinado contexto social,
parecendo ser incongruente as manifestações físicas e antropológicas de uma
pessoa divina que possua carne e ossos, como todos os outros seres humanos.
O preconceito sobre Buda recaiu sobre seus antigos
discípulos com quem teve anos de convivência, e acreditavam de acordo com os
conceitos Jainistas predominantes na época, que a única forma de ascender
espiritualmente e alcançar a iluminação, seria o controle sobre o corpo com as
mortificações. Buda, após a iluminação, reverteu esses conceitos e exortou
todos a terem uma vida equilibrada. Ao verem que seu antigo tutor se alimentava
e se vestia normalmente como todos os outros "impuros", desprezaram-no
por considerarem um fracassado nos seus votos da santidade (KHARISHNANDA, 1998,
p.77). Como se tornar santo se não se martiriza? As mortificações de Buda foram
as maiores de todos eles, e ninguém era capaz de conseguir repeti-las, e por
isso o antigo Sidarta tornou-se o Mestre deles antes de sua Iluminação. Agora,
voltando e se anunciando como Iluminado, Sidarta-Buda apresenta-se forte, limpo
e com roupas normais, algo totalmente adverso a tudo que acreditavam até então.
Viraram-lhe os rostos e o consideraram o mais inferior dos humanos, pois
conheceu o caminho e desistiu! Assim pensaram os cinco ascetas...
O preconceito contra Jesus já não foi oriundo de
sua revolução de conceitos, mas na incapacidade de se compreender como um
Messias, o profeta mais esperado de todos os tempos poderia ter uma origem
humilde e não ter saído de uma família rica e poderosa. Essa é a conclusão que
chegamos quando alinhamos a indagação de Natanael ao ser informado que Jesus é
nazareno, quando pergunta "O que pode vir de bom de Nazaré?" (Jo
1,46), e os questionamentos de seus conterrâneos quando interrogavam: "Não
é esse o filho do carpinteiro"? De onde vem toda essa sabedoria? (Mt
13,54-58).
O preconceito contra Jesus foi puramente
materialista, pois era um homem de origem humilde, sem estrutura educacional e
financeira. Para que acreditassem em sua mensagem e reforma, exigiam que ele
fosse rico, nobre, de uma classe guerreira ou sacerdotal, como se a
sensibilidade para mudar o mundo e o próprio ser humano estivesse vedada aos
pobres. Além de ser um pensamento ingênuo, é anti-histórico com os próprios
fatos narrados anteriormente com o Antigo Testamento. Primeiro, porque quem vem
de uma classe dominante normalmente não quer mudanças para não perder suas
riquezas e posição. Segundo, porque todos os grandes reformadores de Israel
desenvolveram suas missões devido à aproximação com a pobreza. Moisés, mesmo
sendo adotado pela filha do Faraó, enfrentou o Egito porque vivia ao lado dos
miseráveis de Israel.
Cristo nasceu na pobreza, em uma caverna sem nenhum
conforto, e desde pequeno já via as injustiças, explorações e vedação
espiritual do seu povo. Buda nasceu em um palácio, em uma vida cercada dos
maiores confortos, mas vendo que tudo isso não eliminaria os problemas da dor
humana, e nem jamais conseguiria achar a verdadeira felicidade, abandonou tudo!
Abandonou suas riquezas, seus pais, sua esposa, seu filho pequeno, seus amigos
e suas vestes, indo viver ao lado de ascetas, mendigos e cadáveres. E tornou-se
também um mendigo, ou melhor dizendo, um monge mendicante. Francisco de Assis
também faria do mesmo jeito vinte séculos depois, abandonando sua vida fidalga
e saindo nu da casa dos seus pais. Tomou essa decisão inspirado na vida de
Cristo, mas sua história é muito mais semelhante à vida do Buda.
2.6 Autoridade de Buda e Jesus em
apresentarem-se como únicos
Não seria algo totalmente incongruente que duas
culturas que se baseiam na compaixão e no amor ao próximo, tenham seus
fundadores definindo-se como os maiores, os únicos?
Exatamente por causa desses conceitos, muito
enfatizados no Cristianismo, é que houve tanta intolerância religiosa na
humanidade, com tantos assassinatos e humilhações às outras religiões. Termos
como pagãos e hereges trazem em seu âmago os gritos de sangue de todos os inocentes
torturados e mortos absurdamente.
Mas seria esse o propósito de Jesus? Jamais
poderíamos conceber isso. Esse pensamento tacanho seria aplicável apenas a
empresários sem escrúpulos, no afã de eliminar a concorrência, mas não ao
reformador do Ocidente.
O trecho mais forte no Novo Testamento sobre a
superioridade de Jesus apresenta-se no Livro de João: "Respondeu-lhe
Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por
mim." (João 14,6).
As interpretações sectárias que se seguiram durante
séculos e séculos é que o único caminho seria o Cristianismo, gerando termos
insuflados de uma violência sanguinária: paganismo, heresias, idolatria,
mitologia etc.
Mas isso foi tudo e continua sendo um grande
superficialismo à letra morta, que não resiste a uma análise mais profunda. Tal
interpretação só teria sentido se o próprio Cristo já estivesse contaminado com
a política imperialista e podre de Roma. Tal contaminação só foi acontecer
quatro séculos mais tarde com o imperador Constantino (SAMUEL, 1997. p.199),
criando a ideologia que o Reino de Deus estaria condicionado a um cadastro em
uma ordem eclesiástica e hierarquizada, bastando para isso um ritual (Batismo),
que mesmo inconsciente, garante o passaporte automático para os Céus (ROHDEN,
1990, p.60).
E qual análise mais profunda seria essa? Por
incrível que pareça, vamos encontrá-la em um escritor oriental e
"pagão": Thich Nhat Hanh, monge Zen Budista, vietnamita, autor de
vários livros sobre o Zen, tendo lutado incansavelmente contra a guerra no
Vietnã, o que lhe rendeu uma indicação para o Prêmio Nobel da Paz, e também a
expulsão e exílio de sua terra natal.
Thich sofreu em sua própria pele a discriminação do
invasor contra a religião de seu país, imposta por missionários sectários do
cristianismo francês nos anos 70. No entanto, sua luta pela paz o ajudou a ver
o outro lado do Cristianismo nas atitudes pacifistas de Martin Luther King e
muitos outros nomes, passando a nutrir tanta devoção a Jesus como a Buda, a
ponto de possuir uma imagem de cada um em seu altar pessoal! Thich conhece os
dois lados da moeda do Cristianismo: seu sectarismo violento e sua compaixão
engajada com o social. O Cristianismo ajudou Thich a desenvolver um Budismo
engajado com o social, que é a tônica dos seus livros, além do ecumenismo, é
claro.
Para Thich, o trecho de João tem a seguinte versão:
Quando Jesus disse" Eu sou o caminho ",
Ele quis dizer que, para termos um verdadeiro relacionamento com Deus,
precisamos praticar Seu caminho. (...) O" Eu "na declaração Dele é a
própria vida, a vida Dele, que é o caminho. (HANH, 1997, p.69).
Essa interpretação dá uma clara manifestação da
ausência de egoísmo e verdadeira sinceridade de Jesus, pois o valor de seus
ensinamentos não está em suas palavras, mas em sua vida! Ele é o que é sua
vida, e nada mais... Não há um "eu" aí, um instituidor de Igrejas,
sectarismos e dogmas, mas apenas alguém que cumpre sua tarefa, e exorta que
sigam seus passos de compaixão.
Huberto Rohden, professor e escritor brasileiro de
renome internacional, compactua com essa visão, quando explica que o nome
imposto pelo Anjo Gabriel para o filho de Maria, Jesus, significa "Deus
Salvação" ou "Redentor Divino", do hebraico. Tal nome não é a
designação de um ser, mas a função visível de uma realidade externa, sua missão
a cumprir (ROHDEN, 1990, p.39-40)
Essa separação entre o "eu" e a vida é
uma idéia completamente budista. Tal separação e afirmação da inexistência do
eu foi estabelecido pelo budismo para contrapor o forte conceito de castas
hindu (HANH, 1997, p.68), o qual reforçava a idéia da superioridade de um eu em
função de sua hereditariedade, desprezando e massacrando as classes
hereditariamente desfavorecidas.
Assim, Buda também se apresenta em diversas
ocasiões como Único, ou como O Mais Iluminado.
Logo após sua iluminação, muda seu nome de Sidarta
Gautama para "O Iluminado", e ao encontrar novamente seu pai depois
de vários anos, autodenomina-se como "O Mestre da Verdade" (KHARISHNANDA,
1998, p.84).
Mesmo com essas denominações, o Budismo não se
tornou sectário, mas adotou o respeito compassivo e positivamente sincrético em
todos os locais que propagou, adquirindo também o respeito das outras
religiões. O próprio Hinduísmo, que teve um grande declínio após o Budismo,
considera Buda como a 9ª Encarnação do seu Deus Reformador, Vishnu (Almanaque
Abril, 2004,p.134).
No Japão houve praticamente a fusão do budismo com
o Xintoísmo, implementando no Budismo uma prática tradicional japonesa que é o
culto aos antepassados.
2.7 A disseminação do conhecimento
Ambas as religiões foram disseminadoras em nível
mundial, talvez devido ao fato de terem sido radicalmente reformadoras,
trazendo a última palavra em espiritualidade para suas épocas.
A orientação de Buda para a divulgação dos seus
ensinamentos foi mais doce que a de Jesus, provavelmente por que em sua época e
região a violência era bem menor. É de se frisar que Buda recebeu o apoio de
muitos Reis, ávidos de conseguirem atingir a Iluminação, ao contrário de Jesus,
que foi assassinado devido à velha forma de política podre que derrama o sangue
daqueles que ameaçam a intenção do poder perpétuo.
A orientação de Buda foi a divulgação através da
alegria, mas APENAS para os que quisessem:
Buda orientou seus discípulos a reunirem todos os
que quiserem escutar as doces palavras da lei, estimulando os incrédulos a
receberem a verdade e encher de alegria seus corações. (KHARISHNANDA, 1998,
p.110).
A premissa no Cristianismo com Jesus já foi mais
amarga, para uma época sangrenta, escravocrata, ameaçadora. Entende Jesus que o
preconceito e o desprezo irão liderar a recepção aos Apóstolos, preconizando
extrema prudência como alerta às armadilhas dos inimigos ocultos, e usa até
mesmo um tom de ameaça para o futuro castigo dos desprezadores de sua reforma:
Em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes,
procurai saber quem nela é digno, e hospedai-vos aí até que vos retireis. E, ao
entrardes na casa, saudai-a; se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz;
mas, se não for digna, torne para vós a vossa paz. E, se ninguém vos receber,
nem ouvir as vossas palavras, saindo daquela casa ou daquela cidade, sacudi o
pó dos vossos pés. Em verdade vos digo que, no dia do juízo, haverá menos rigor
para a terra de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade. Eis que vos envio
como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudente como as serpentes e
simples como as pombas. (Mateus 10,11-16).
Em seu afã de difundir-se mundialmente, o
Cristianismo tornou-se uma religião de prosélitos, que consiste na técnica de
converter o maior número possível de adeptos, "aderindo-os" no novo
engajamento religioso. O proselitismo na história foi feito mediante as
milhares missões evangelizantes, não se furtando à utilização da ameaças, assassinatos
e outros crimes hediondos, especialmente contra os indígenas.
Para Evaldo Pauli, da Universidade de Santa
Catarina, este foi um vício oriundo da cultura judaica, onde os judeus saíam
pelo mundo helênico e romano para convertê-los ao Judaísmo (PAULI, 2005).
Esse proselitismo, além de criar tensões entre os
outros grupos religiosos pejorativamente definidos como "pagãos",
necessitou do estabelecimento de dogmas para evitar ou adiar a perda dos fiéis
de sua escuderia, para que assim não houvesse a ousadia de novas teorias ou
interpretações que viessem abalizar a cúpula cristã.
Ao contrário do Cristianismo, a disseminação
mundial do Budismo tornou-o sincrético com as demais culturas com as quais se
envolvia, adaptando-se e mesclando-se com as tradições culturais e religiosas
locais, como por exemplo no Japão, que adotou várias tradições do Xintoísmo.
Até nossos dias o Budismo considera o sincretismo algo salutar para sua
religião, como se o próprio Budismo crescesse com isso. O Budismo realmente não
consegue ser uma religião de multidões em todos os locais que passa. A grande
maioria dos grupos budistas brasileiros não passa de cinqüenta integrantes, e
isso é ocasionado devido a forma de divulgação do Budismo, através unicamente
de palestras e artigos, em revistas ou Internet. O Budismo considera um
missionário como um erro bastante grave, algo totalmente inadmissível, pois se
alguém tenta propagar sua religião e outro faz o mesmo, tornam-se ambos
concorrentes e vêm os conflitos (DALAI LAMA, 2001a, p.198).
O Cristianismo, que herdou o espírito dominador dos
judeus e romanos, passou a escravizar povos e desprezar as outras religiões, e
no Século XVIII passou a definir a palavra "Sincretismo" como algo
totalmente negativo, como "uma reconciliação ilegítima de pontos de vista
teológicos opostos, ou heresia contra a verdadeira religião" (FERRETTI ,
1999, p.113-130).
Assim o Budismo tornou-se sincrético, e o
Cristianismo violentamente sectário.
Seriam dois extremos de uma mesma linha? O ideal
seria um meio termo entre o sincretismo e o sectarismo?
Para estas religiões, que trabalham para divulgar
seus ensinamentos em amplitude mundial, o termo sincretismo não pode deixar de
existir quando se entra em contato e se convive com culturas diferentes.
Embora o Cristianismo e o Budismo tenham chegado a
essas culturas trazendo uma nova "tecnologia espiritual", jamais
poderiam esmagar toda uma cultura tradicional de uma religiosidade que já
existe, e que permite o desenvolvimento de muitos aspectos morais incipientes
nas novas culturas.
Assim aconteceu com os espanhóis ao catequizarem os
indígenas Maias e Incas, e os portugueses com nossos aborígines. Vieram como
culturas superiores, para ensinar o "verdadeiro" Deus, pois
consideravam que estes nativos selvagens adoravam deuses falsos. Com o passar
do tempo, consideraram os índios como almas perdidas, e chegaram a concluir que
os nativos eram seres sem alma!
Só que os indígenas possuíam um sistema comunitário
mil vezes mais solidário que os invasores, além de terem um cuidado e adoração
extrema com todas as formas de vida, pois viam Deus em tudo. Não poluíam, e só
matavam os animais que eram necessários à sua alimentação. Viviam em grande
harmonia entre si e com a natureza, um verdadeiro paraíso. Os invasores
trouxeram apenas a mentira, politicagem, corrupção, armas, estupros, torturas,
desmatamento, exploração e guerra. Conclusão: eram os nativos mais Cristãos que
seus dominadores. E estes ainda consideravam sua religião superior, como ainda
até hoje consideram...
Tal influencia se nota na própria cultura
ocidental, que classifica outras religiões antigas como mitologias, e apresenta
os termos "Divindades" e "Deuses" com as iniciais em letras
minúsculas, escrevendo e unicamente com a inicial maiúscula o Deus do
monoteísmo, como se apenas para Este último houvesse respeito e realidade,
sendo os Deuses das outras religiões meras invenções.
E quais são os problemas trazidos pelo sincretismo?
Que religião se queixa de ter mesclado elementos de uma nova cultura na sua?
Os africanos foram estraçalhados em suas culturas,
trazidos algemados em imundos navios para nossas terras, e considerados
inferiores à espécie humana. Para poderem adorar suas Divindades tiveram que
sincretizá-las com os Santos Cristãos. Mesmo assim, os grupos religiosos
africanos da nossa atualidade, em nada se queixam do sincretismo!
Mas o Cristianismo dominador, teme e abomina o
sincretismo. Considera-se livre dele, uma cultura pura, sem as misturas das
outras religiões, e isto é o que o afasta tanto do Ecumenismo.
Conta Thich Nhaht Hanh, monge Zen Budista a quem
nos referimos anteriormente, que em uma conferência de teólogos e professores
de religião, um cristão indiano falou no microfone: "Vamos ouvir falar
maravilhas de várias tradições, mas não vamos fazer uma salada de
frutas!". Quando foi a vez de Thich falar, sua primeira frase foi:
"Uma salada de frutas pode ser deliciosa...". Após, compartilhou a
Eucaristia com um padre amigo seu, para horror dos cristãos que estavam no
recinto (HANH, 1997, p.23).
Por mais esforço e violência que se faça, é
impossível entrar em contato com outra cultura sem sofrer influências. Por
isso, nas palavras do célebre Leonardo Boff, é impossível a ausência de
sincretismo em qualquer cultura religiosa que ultrapasse nações:
A Igreja em sua estrutura apresenta-se tão
sincrética como qualquer outra expressão religiosa [...] o cristianismo puro
não existe, nunca existiu nem pode existir. [...] O sincretismo, portanto não
constitui um mal necessário nem representa uma patologia da religião pura. É
sua normalidade. (BOFF, 1982, p. 150-151).
De forma alguma podemos condenar o sincretismo, mas
devemos equipará-lo ao próprio termo Ecumenismo, denotando respeito, tolerância
e humildade religiosa, além de uma grande abertura em aprender o novo.
Sincretismo une evangelização e respeito.
Sectarismo e tentativa de pureza religiosa unem guerra e atraso cultural. Temos
o exemplo muito claro disso nos países que adotaram o Islamismo
Fundamentalista, trazendo guerra e dor para o seu povo.
2.8 Iluminações
A Iluminação é definida no Budismo como a descoberta da natureza
própria da mente, de natureza celestial, onde através de intensos esforços as
nuvens ilusórias se desvanecem e pessoa consegue ver a realidade tal como ela é
(RINPOCHE, 1999, p.74). Um verdadeiro "insight", um grande choque, em
que a partir deste instante que se desperta a pessoa muda radicalmente sua
forma de ver a vida, tornando-se espiritualmente profunda e consciente. A
Iluminação é a manifestação extraordinária da consciência, e existem muitos
casos no Budismo e no Cristianismo.
Buda, após receber orientações dos maiores Mestres da época,
Arada e Uraka (KHARISHNANDA, 1998, p.50), e praticar as maiores mortificações,
resolveu abandonar os métodos usuais e sentar embaixo de uma árvore, decidindo
só se levantar após se Iluminar. Ao conseguir compreender a verdade integral da
vida, libertou-se das cadeias da ignorância acabando definitivamente com o
sofrimento e frustração, adquirindo uma paz permanente e imortal (RINPOCHE, 1999,
p.75 e 85).
Shantideva, um dos maiores filósofos budistas, era considerado
um grande preguiçoso no Templo que morava na Índia, pois não memorizava nada
dos textos sagrados, irritando seus colegas monges.
O abade o advertiu que, se na manhã seguinte ele não recitasse
de memória as Escrituras, seria expulso do templo. À noite, o abade foi até a
cela onde Shantideva dormia, e lhe ensinou um mantran (palavra
sagrada) de Manjushri, o Buda da Sabedoria, que deveria ser recitado a noite
inteira para que assim obtivesse ajuda divina e na manhã seguinte conseguir
cumprir o dever de monge.
Amarrando sua gola com uma corda no teto, para que assim sua
famosa preguiça não o tombasse no chão, Shantideva orou com o mantran a
noite inteira, mas ao nascer o sol viu que não estava nenhum um pouco mais
esperto. Em alguns instantes teve a visão da Divindade chamada Buda Manjushri,
que lhe concedeu a realização de cada qualidade da perfeita sabedoria.
Ao dirigir-se ao palanque, que tinha como platéia o próprio rei,
pediu silêncio e perguntou ao rei se queria que ele recitasse um texto da
Escritura ou algo original. O rei sabendo da má fama de Shantideva, solicitou
com ironia que fizesse algo de sua autoria. Assim Shantideva começou a recitar
um dos mais famosos textos budistas, "O Guia para o Modo de Vida do Bodhisattwa".
Ao terminar o último capítulo, levitou e desapareceu nas nuvens (SHANTIDEVA,
1998, p.51-57).
Dentro do Cristianismo, temos a história de Moisés, que teve sua
vida comum mudada para líder espiritual depois do diálogo com um anjo em forma
de chama de fogo em uma sarça ardente (Ex 3,1-14).
Temos também mudanças especiais que se assemelham às
experiências da Iluminação: para os apóstolos, o dia que mudou suas vidas
dando-lhes mais capacidade foi o dia de Pentecostes, quando ficaram cheios do
Espírito Santo (At 2,1-4).
Saulo muda de ser e de nome no caminho para Damasco, após a
visão de Jesus (At 9,1-8). Para o Lama budista
americano Surya Das, que tem sua origem tradicional no Judaísmo, tornando-se
posteriormente um instrutor do Budismo tibetano, esta é uma autentica
experiência da Iluminação. Define ainda: A Iluminação é um processo não
diferente de Deus (DAS, 2001, p.26).
Francisco de Assis obtém seu grande momento espiritual quando
ouve uma voz ordenando que restaure a Capela de São Damião. Após esse fato,
renuncia a todos os bens, veste-se como eremita e começa a reforma. Abraça a
pobreza e vence a si mesmo indo pedir esmolas (Sociedade das Ciências Antigas,
2005).
Nenhum místico tem maior semelhança com o Budismo do que
Francisco de Assis, com seus votos de pobreza, suas sessões de oração, seus
êxtases místicos típicos de meditadores, seu extremo amor com todas as formas
de vida. O Budismo reverencia todos os seres como Divinos, e Francisco os
Diviniza como irmãos, desde o sol e a lua, até os animais e plantas (BOFF,
1999, p.168-170). Tudo para Francisco é extremo cuidado, sendo hoje esta a
tônica da Teologia da Libertação para poder salvar a natureza da destruição do
homem.
Todas as experiências dos santos e místicos não poderiam passar
despercebidas como autênticas experiências de Iluminação.
O Ocidente apenas aceita essas experiências para pessoas que já
faleceram, a ponto de alguns correntes teológicas afirmarem que a Revelação de
Deus acabou com os apóstolos, restando para nóstolos, restando para n aplaç
experi aututra pessoa piritual.idade religiade um pouco amiro ç seja dor,
prejuhipocrisias. Ondes unicamente os escritos da Bíblia.
No Oriente, a tradição das experiências pessoais de Revelação de
Deus continua no contato entre Mestres e discípulos, renovando suas práticas e
deixando acesa a chama da Iluminação.
Entrando no campo da doutrina, exporemos a síntese conceitual
comparativamente das duas culturas, mesmo que afastada por séculos e por
costumes. Exporemos ainda os aparentes conflitos entre fé e Iluminação, e a
comparação entre a negação de si mesmo com a doutrina do Vazio.
Como se não bastasse, percorreremos também o porquê das
diferenças Teístas e Ateístas das duas religiões, conseguindo ainda encontrar
respaldo para mostrar os mais variados aspectos de irmandade do Oriente e
Ocidente.
3.1 O primeiro discurso
O primeiro discurso marca a entrada na vida pública dos Mestres,
uma das mais importantes fases na missão.
Jesus dá o seu primeiro discurso para uma grande multidão, mas
Buda dá para apenas cinco monges, pois entendia que apenas eles teriam
capacidade de compreender facilmente a revolução espiritual que estaria por
vir.
O 1º discurso de Jesus, o Sermão da Montanha, trata de consolar
e mostrar a praticidade do caminho espiritual: ter um coração puro e ser
misericordioso. Consola ainda os que choram, os que têm fome de justiça e os
injuriados. Promete também grandes recompensas aos que forem perseguidos por
causa do Cristo (Mt 5,1-14).
Em meio a toda desolação que viviam os deserdados de Israel,
pisados pela dominação Romana e pela inflexibilidade Judaica, Cristo os convoca
a terem um coração puro e misericordioso, pois essa seria a única forma de
trazer paz a tanta turbulência. Ódio só gera mais ódio, e se não houver a
misericórdia, perdão e compaixão, todos se autodizimarão. Mesmo que haja dor e
injustiças, o coração puro e misericordioso é o que sustentará a força e o
triunfo de uma vida, mesmo que seja assassinado, mesmo que perca tudo, pois
poderá provocar o benefício de muitos no futuro. Essa foi a vida Crística.
Buda também em seu primeiro discurso mostra o caminho mais
prático para a espiritualidade, e ao invés de consolo, usa a repreensão, pois
eram ensinamentos para pessoas a quem já tinha intimidade, e não para uma
multidão em geral. Proferiu na cidade de Varanasi, Índia, para os cinco monges
ascetas com quem praticara as mais violentas mortificações. Mostrou-os que a
espiritualidade baseia-se no caminho do meio, o equilíbrio em todas as coisas,
e advertiu-os que as mortificações não limpariam seus defeitos, sendo vãs se a
personalidade persiste em desejar os prazeres do mundo e dos céus (KHARISHNANDA,
1998, p.78-79).
O equilíbrio entre o material e o espiritual sempre foi um
grande desafio para todos os que buscam com afinco o caminho espiritual, ou a
vida da Iluminação. Os monges ascetas amigos de Buda acreditavam que deveriam
praticar com todo seu sangue unicamente a via espiritual, e que só assim
atingiriam a meta. Embora Buda mostrasse que estavam enganados, seus esforços
não foram em vão, pois Buda os considerou como os únicos que estariam aptos a
compreenderem a revolução que iria empreender. Isso por que os cinco ascetas
praticavam com verdadeira sinceridade, e não para se exibirem aos outros,
mostrarem-se superiores ou para adquirir orgias ou riquezas espirituais.
Buda viveu em um mundo de ascetismo fanático, mas que buscava a
Deus mesmo que fosse com os maiores sacrifícios. Jesus, porém, conviveu em um
mundo contaminado pela política, exploração, injustiça e violência. Estes foram
os motivos porque Jesus transmite consolo e fé, e Buda receita o equilíbrio e
harmonia da vida material e espiritual.
3.2 A síntese dos ensinamentos por eles mesmos
Segundo seus próprios fundadores, em que se resumem os
ensinamentos Cristãos e Budistas?
Podemos encontrar uma forte semelhança também entre a síntese de
todo o conhecimento de Buda e Jesus, que provocaram a revolução de suas
culturas.
Buda, na Índia, luta contra a exclusão da espiritualidade das
castas inferiores e abole a idolatria, entrando em conflito com os brâmanes que
detinham o monopólio do ensinamento religioso da tradição hinduísta (TOYNBEE,
2005). Entra também em conflito com os líderes ascetas, pois via o equilíbrio
como o único caminho sólido espiritualmente, abrindo também o leque espiritual
para aqueles que não queriam se afastar da vida social. Também teve um radical
desinteresse teológico em favor do problema existencial, pois era uma época em
que se contestava a existência dos Deuses (PIAZZA, 1991, p.278).
A linguagem de Buda voltou-se então totalmente para o esforço
humano em prol da Iluminação e cessação dos sofrimentos, uma linguagem
totalmente nova em todas as épocas da humanidade, agradando sobretudo àqueles
que não se inspiravam com as idéias devocionais do Hinduísmo, nem com os
extremos do Jainismo. Daí seu principal ensinamento ser voltado às quatro
nobres verdades:
1- O sofrimento existe;
2- As causas do sofrimento são os desejos;
3- O sofrimento pode ser cessado;
4- A forma para eliminação dos sofrimentos é o caminho óctuplo:
Compreensão correta, intenção correta, fala correta, ação correta, meios de
subsistência corretos, esforço correto, atenção correta e meditação correta
(KHARISHNANDA,1998, p.70-71).
As três primeiras verdades são para reforçar a importância de se
praticar a quarta nobre verdade, o caminho espiritual denominado de óctuplo.
O caminho óctuplo possui ainda três subdivisões: Treinamento em
sabedoria, ética e meditação. Compreensão e intenções corretas pertencem ao
Treinamento em Sabedoria. Fala, ação e meios de vida corretos são do
Treinamento em Ética, e Esforço, atenção plena e Meditação corretas fazem parte
do Treinamento em Meditação.
A compreensão correta engloba o estudo do apego,
insatisfação, carma, samsara, eu, vazio, impermanência e
morte. A doutrina da Impermanência é um dos assuntos mais destacados, pois
segundo esta, tudo não passa de uma ilusão, pois tudo nasce e morre. Se a
pessoa não se aprofunda na meditação sobre a impermanência, verá como
verdadeiras as coisas ilusórias, gerando o apego à família, bens materiais etc;
e verá como ilusórias as coisas verdadeiras, como por exemplo, o esforço de progresso
interno, que permite a pessoa sair do ciclo de dor da vida.
A intenção correta engloba as diversas técnicas para desenvolver
o coração bondoso e compassivo, com práticas de imaginações e reflexões.
Este é o treinamento em Sabedoria, para conseguir ver a
realidade dos fenômenos (DAS, 2001, p. 108-182).
O Treinamento em Ética objetiva uma vida de acordo com os
preceitos sagrados.
A fala correta ensina os benéficos de dizer a verdade, não falar
dos outros e a utilização dos mantrans.
A ação correta ensina a agir com generosidade, tentar matar
nenhum ser vivo, não se embriagar, e não utilizar equivocadamente a energia
sexual. Utilizar indevidamente a energia sexual seriam os relacionamentos sem
sentimentos, por puro prazer carnal, em que se vê a pessoa com desprezo, como
apenas um objeto de satisfação orgânica. Tal procedimento vai contra os
ensinamentos do Tantrismo Budista.
O meio de vida correto ensina a ter uma profissão que não
prejudique os outros, como vender bebidas alcoólicas. Aos monges era permitido
viver de esmolas dos leigos Budistas nos países Orientais, pois as crianças
desde cedo eram educadas a darem esmolas. Mas com vinda do Budismo para o
Ocidente, em que não há essa educação e veneração de sustentar monges, devido a
avareza ocidental e os inúmeros escândalos de lideres religiosos exploradores
da boa fé, os monges passaram a aprender profissões e se sustentarem como
qualquer outro cidadão (DAS, 2001, p. 183-277).
Adentrando no Treinamento em meditação, temos o esforço correto,
que foca o esforço de controle e percepção mental, para estudar os pensamentos
negativos, como evita-los, e como desenvolver os pensamentos positivos.
A atenção e concentração plena ensinam as técnicas de
concentração, como postura, respiração, forma de olhar, como não dormir na
prática, e como diminuir a agitação mental.
A meditação correta ensina as técnicas de Meditação, como por
exemplo, a técnica de observar a respiração, ou de observar os pensamentos, ou
de imaginar a própria morte, ou de utilizar perguntas sem resposta, como por
exemplo, "Onde eu estava antes de nascer?". (DAS, 2001, p.278-395)
Jesus também reformou sua época e a maneira como era vista a
espiritualidade, com seus inúmeros rituais e a prática adoção de sistemas de
castas pelos escribas e fariseus, que fechavam as portas aos párias do
judaísmo.
Simplifica o judaísmo e todas as suas leis, profecias e rituais
em um único ponto: Amar a Deus de todo o teu coração, e ao próximo como
ti mesmo. (Mt 22,34-40).
A coluna vertebral do Cristianismo está na abertura do coração,
e a do Budismo está na disciplina mental.
A evidência em "Amar Deus de todo o teu coração"
implica em uma devoção que acha forças onde não existe nada; que galga
conquistas pessoais onde o ser humano não conseguiria supor conseguir; que
acumula virtudes para chegar o mais próximo possível à perfeição; que luta
contra seus conflitos para não se afastar da sua meta perfeição. Este é o
sentido da devoção a um Ser Superior, pois do contrário, o ser humano poderia
não ter um ideal tão elevado a conquistar. Quem seria um exemplo humano de
maior ideal? Júlio César, Napoleão, Nietzsche? Seriam ideais por demais
pequenos, quando comparamos ao Ser Superior que criou tudo. Só amando Deus de
todo o seu coração é que Alguém conseguiria entregar sua honra e corpo para dar
esperança e força para uma multidão que não conhece.
No entanto, amar unicamente a Deus pode jogar o individuo em um
enclausuramento social, sem poder utilizar todo o potencial desenvolvido na sua
busca pela proximidade da Perfeição. Mais vale um miserável que colheu uma
fruta para um companheiro, do que um grande sábio que passou sua vida escondido
em uma caverna. Daí a complementação Crística de "Amar ao próximo"
para "Amar ao próximo como a si mesmo"!
Este "Amar ao próximo como a si mesmo" pode
ressoar como algo extremamente ególatra, vaidoso e narcisista, mas o sentido
jamais poderia ser esse. Amar a si mesmo indica fazermos aquilo que seja o
melhor para nós, sempre e a todo instante. Seria o correto discernimento entre
o que é ilusório e o que é real. Trabalhar toda uma vida para ter conforto
material, passando por cima dos outros, não seria amar a si mesmo, pois se
dedicou a algo ilusório, que a qualquer momento poder se desvanecer, e que no
futuro provoca irremediavelmente a solidão e o desprezo dos outros, provocando
uma vida inútil e depressiva. Não raro muitos que levam uma vida assim se
suicidam. Não possuem paz. Amor devocional deve gerar um amor engajado no
social.
Dedicar-se ao real seria o próprio aprimoramento pessoal e
interior, em prol do engrandecimento da humanidade em todos os seus aspectos.
Isso é o que qualquer um poderia fazer de melhor para si, e não uma vida
materialista, que implicaria consequentemente na destruição e sofrimento de
muitas pessoas e da própria natureza em si, que é o que acontece hoje em nosso
planeta massacrado. O homem destruindo tudo, todos, e a si mesmo. Pelo prazer
momentâneo e ilusório, o homem se suicida ao assassinar a natureza e seus
semelhantes. O contrário do "Amar a si mesmo" é o lema da nossa
humanidade, "Destruir ao próximo e a si mesmo"...
Os quatro votos budistas, feitos quando o neófito decide
ingressar nas fileiras do Budismo, espelham fortemente que o campo do possível
é a completa mediocridade, incondizente com a energia do esforço pessoal ou
espiritual a ser conquistada no cotidiano:
Embora os seres vivos sejam inumeráveis, eu me comprometo a
salva-los. Embora meus desejos sejam inesgotáveis, eu me comprometo a me
libertar deles. Embora os ensinamentos sejam ilimitados, eu me comprometo a
aprendê-los todos. Embora o budismo seja inalcançável, eu me comprometo a
atingi-lo. (SUZUKI, 1994, p.44)
Jesus, assim como Buda, resume sua síntese do caminho espiritual
também no esforço humano, independente de graça ou recompensa divina. Jesus
ordena amar a Deus e ao próximo, e Buda manda encontrar a felicidade extirpando
os defeitos e prazeres mundanos. Jesus prega a devoção divina e humana, e Buda
a purificação. Mas como ter devoção de qualquer espécie estando com a mente carregada
de egoísmos, ganância, desprezo pelo próximo, orgias, irritação, angústias,
medos, traição, vinganças, remorsos, traumas e mágoas? Nenhuma devoção, nem
pelo Divino, nem pelo companheiro poderá existir sem uma disciplina de
eliminação de todas essas distorções mentais. Não seriam então os dois
caminhos, técnicas diferentes e complementares com o mesmo objetivo?
Jesus resumiu seu ensinamento em uma oração, e Buda em quatro.
Isso indica que o Cristianismo prima pela simplicidade de conceitos, em
quantidade muito menor que o Budismo. Só para se ter uma idéia, Buda ensinou
84.000 técnicas para a Iluminação.
3.3 Os mandamentos
Os mandamentos constituem as regras de conduta para as
comunidades, o caminho moral e ético que deve ser seguido.
O Cristianismo adotou os mesmos mandamentos do Judaísmo, e estes
permanecem em incrível semelhança, havendo diferenças diminutas, como por
exemplo, a citação do amor de Deus no Cristianismo que é inexistente no
Budismo; e a abstenção de drogas e álcool inexistente no Cristianismo. Embora o
Budismo não coloque a devoção a Deus, evidencia a orientação de não
desrespeitar as Divindades, quando exorta a não blasfemar.
São Mandamentos no Budismo: não matar, ser compassivo, dar e
receber com generosidade, abster-se de drogas e álcool, na adulterar, ser
casto, não mentir, não caluniar, não jurar, não blasfemar, não cobiçar, não
invejar, purificar o coração da ira e aprender a verdade (KHARISHNANDA, 1998,
p.99-159).
No Budismo temos mandamentos de conduta que não dizem respeito a
verdades universais, como por exemplo, abster-se de álcool. Ora, exagerar no
álcool é sem dúvida um grande empecilho no desenvolvimento espiritual como em
qualquer outro desenvolvimento da vida, tais como trabalho, família e convívio
social. Mas o Budismo estabelece abstenção total devido os grandes prejuízos
que provocam na mente para a prática da meditação, pois o álcool provoca uma
grande agitação mental impedindo a concentração.
Já no Cristianismo temos: Amar a Deus sobre todas as coisas, não
matar, não roubar, não adulterar, não caluniar, não cobiçar a mulher do
próximo, não tomar o nome de Deus em vão, honrar pai e mãe, não jurar falso
testemunho, honrar o próximo (Dt 5,1-21).
Todos os mandamentos do Cristianismo praticamente se aplicam a
verdades universais, pois o objetivo Cristão é a simplificação de regras para a
comunidade, em oposição às numerosas regras do Judaísmo.
3.4 Como tratar os inimigos
O Antigo Testamento dá pouco valor ao perdão contra os inimigos,
ou mesmo nenhum valor, pelo rigor da Lei Judaica. A regra estabelecida é
"Olho por olho, dente por dente", e o perdão é aplicado apenas
secretamente entre a pessoa e Deus: "Porque tu, Senhor, és bom, e pronto a
perdoar, e abundante em benignidade para com todos os que te invocam."
(Salmos 86,5).
Com o Cristianismo, se introduz a nova idéia do perdão aos
inimigos: todos devem perdoar indefinidamente seus inimigos. Não apenas sete
vezes, mas setenta vezes sete (Mt 18,22), que metaforicamente, quer dizer
ilimitado, sem contagem.
A idéia lançada pos Cristo vai muito mais longe ainda, radical
ao extremo: não só se deve amar seus inimigos (Mt 5,44), como também lhe dar a
outra face quando agredido (Mt 5,39)!
E porque alguém faria tão grande esforço, amado os inimigos e
oferecendo a outra face para a agressão? A explicação dada na Bíblia seria a
recompensa celeste.
Não há mais explicações nas Escrituras para isso. Sem
fundamentos que explicassem motivos sólidos que não envolvessem os lucros
pós-mortem, a filosofia do perdão Cristão tornou-se inócua e sem resultados, e
o Cristianismo tornou-se cada vez mais intolerante e violento, não só deixando
de perdoar os inimigos, mas enxergando inimigos em todos seus recônditos, seja
nos fiéis das outras religiões (os pagãos), seja em alguns fiéis dela mesma (os
hereges).
E que conceitos profundos poderíamos deflagrar dentro dos
ensinamentos Cristãos no tratamento com os inimigos? Podemos encontrá-los em
sua Irmã Oriental, o Budismo...
Como visto em itens anteriores, o Budismo Mahayana coloca
como principal objetivo a compaixão, e todo esforço depreendido pela compaixão
acelerará rapidamente a cessação dos sofrimentos, único objetivo da vida.
O Dalai Lama diz ainda que a compaixão é a forma de
egoísmo mais inteligente, porque beneficiando os outros, estaremos beneficiando
muito mais a nós mesmos.
No entanto, sem paciência jamais conseguiremos ter o mínimo de
compaixão. A paciência é a grande chave, e sua conseqüência natural é o perdão
(DALAI LAMA, 2001a, p.114).
Há um livro largamente utilizado e memorizado dentro do Budismo
Tibetano, chamado "Guia para o modo de vida do bodhisattwa",
do filósofo budista indiano do século VIII, Shantideva. Enumera em oito
capítulos as grandes vantagens da paciência, e os grandes malefícios do maior
inimigo do ser humano: o ódio.
Para Shantideva e o Budismo, os inimigos são verdadeiros
tesouros! Por quê?
Por quê o mais importante para um autentico Budista é a sua vida
espiritual, mesmo que sua vida material se reduza a uma tigela e um manto. São
os inimigos que irão dar a verdadeira fortaleza espiritual, nossos mestres em
desenvolver a paciência, a virtude mais importante a ser adquirida. Através da
paciência se consegue a concentração tão necessária para meditar; o perdão para
acumular méritos; e a compaixão para acelerar a Iluminação. Então por que ter
raiva dos inimigos se eles nos fazem tão bem?
A pessoa pode sentir raiva dos inimigos por que pensa que eles
assim agem no propósito de prejudicar, no entanto não é bem assim. Ninguém
possui uma independência de pensamentos e atitudes, tudo é interdependente. Se
alguém procura prejudicar alguém, é por que existem situações, pessoas, desejos
que o obrigam a fazer isso, que por sua vez são já são controlados por outros
fatores que são controlados por outros (DALAI LAMA, 2001a, p.15-105). Por
exemplo: alguém tenta tomar injustamente a propriedade de outra pessoa. Tal
atitude pode ter origem no mau exemplo dos pais, em alguma injustiça cometida
contra este, com a influência de uma outra pessoa, um desequilíbrio emocional,
o desespero de ajudar alguém, etc e etc.
Então são fatores que regem outros, e o verdadeiro inimigo não é
a pessoa que está sendo manipulada. Se alguém bate em outro com o porrete, de
quem devemos sentir raiva? Da pessoa ou do porrete? Por que da pessoa, se a dor
vem do porrete? Por que do porrete, se quem o manipula é a pessoa? Shantideva
conclui que o grande inimigo é quem controla isso, o ódio. E seria burrice
querer mudar os outros, infrutífero, pois: "O que é mais fácil: cobrir o
mundo inteiro de sola, ou apenas nosso pés?" (DALAI LAMA, 2001a, p.27).
No entanto, existe uma raiva chamada de positiva, que é quando
nos indignamos para ajudar os outros. Porém, deve-se meditar para ter controle
sobre essa raiva, senão a pessoa nunca conseguirá atingir a concentração
necessária pela ausência de paz na mente, dissipando seu caminho espiritual
como uma tênue fumaça. Raiva positiva pode, mas não um "ódio
positivo", que já indica um completo descontrole.
Portanto, se o mais importante é o caminho espiritual, a
paciência tem que ser conquistada, custe o que custe. A outra opção é bem mais
desvantajosa: desistir do caminho de eliminação dos sofrimentos para rumar no
materialismo, buscando tirar vantagens em cima dos outros, sofrendo com as
angústias da mente, sendo massacrado pela pior conduta da podridão humana, e
nunca conseguindo a felicidade, porque a vida se reduziu a uma busca incessante
de satisfação dos desejos, vazia e inútil.
3.5 A fé
Qual seria a definição de fé? As definições são as mais ambíguas
possíveis, indo da crença ao poder.
Estabelecer fé como crença seria um grande erro, um estratégia
sectária para fidelização de prosélitos. Um grande reducionismo para uma das
palavras mais ricas do Cristianismo, provavelmente com mais definições e
exemplos do que no Budismo.
Assim, o líder religioso utiliza o termo fé para designar
unicamente a crença no Cristianismo, que quando abandonado ou decidido mudar
para outra religião, "perdeu-se" a fé. Ora, a pessoa deixou de ter
interesse na espiritualidade? A outra religião escolhida não possui
espiritualidade? Unicamente o Cristianismo possui fé e espiritualidade? E por
que as maiores atrocidades da humanidade foram cometidas sob a égide de povos
cristãos? Que fé tão exclusiva é essa que explora, tortura e mata o irmão?
Para não cairmos em termos sectários, poderíamos definir a fé
como o poder da comunicação com Deus, e todas as demais
conseqüências que isso possa acarretar.
Na maioria de suas curas milagrosas, Jesus dizia: "Tua fé
te salvou!" Então ele se anunciava como um mediador, um receptor da
mensagem de Deus para operar os milagres, mas ele por si próprio não o faria. A
fé seria a grande condição para os milagres, uma fé gerada pelo arrependimento,
pois sem o arrependimento não haveria as condições necessárias para a
comunicação divina e a manifestação do poder. Fé sem arrependimento torna-se
também hipócrita. Reduz-se a crença e nada mais.
A definição de fé do Cristianismo retirou da pessoa a fonte do
poder mágico, que a exemplo dos magos egípcios, conseguiam fazer encantamentos
através de seus treinamentos e ritos (Ex 7,22), vangloriando-se e
considerando-se superiores, acima da Divindade. O poder mágico agora só pode
vir da fé, da sua comunicação e submissão ao Divino, e sem esta, nada pode ser
feito:
Disse-lhes ele: Por causa da vossa pouca fé; pois em verdade vos
digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda direis a este monte: Passa
daqui para acolá, e ele há de passar; e nada vos será impossível. (Mateus
17,20).
No Budismo tibetano, a fé também é um grande poder devocional,
imprescindível para o caminho. No entanto, essa fé deve ser direcionada para um
Mestre, pois é ele que irá lhe dar inspiração e conhecimento para seu trabalho
espiritual. Enquanto a fé no Cristianismo Católico é direcionada para a
Trindade ou os Santos, no Budismo é devotada aos Budas, Bodhisattwas e
para o Mestre espiritual, o guru.
Se a confiança não for extrema no Mestre espiritual, o discípulo
não poderá ir longe no caminho. Se a fé que tem é de apenas de aluno-professor,
o máximo que conseguirá é ser professor. Se a fé entre um discípulo e um Buda,
pois vê o mestre como o próprio Buda, então o discípulo terá contato com o
Buda.
Enquanto a fé do Cristianismo é incorpórea, a do Budismo é
física e corpórea.
Porém, a fé Budista deve ser inteligente, racional, analisando
se o guru realmente é capacitado para tamanha fé (DALAI LAMA, 2001b, p. 73-74 e
103). Deverá ser uma pessoa íntegra, ética, compassiva, e possuir realizações
espirituais, como por exemplo, conquistas na meditação, facilitação em fornecer
experiências aos discípulos, conhecimentos das ilusões mentais, e atitudes
genuinamente compassivas. Pois do contrário será "cego guiando cego",
e o discípulo não irá longe, conforme prenuncia Cristo:
Deixai-os; são guias cegos; ora, se um cego guiar outro cego,
ambos cairão no barranco. (Mateus 15,14).
Porque hão de surgir falsos cristos e falsos profetas, e farão
grandes sinais e prodígios; de modo que, se possível fora, enganariam até os
escolhidos. (Mateus 24,24).
Jesus amplia ainda os problemas dos falsos Mestres apontados por
Buda. Buda aponta que um Mestre ou professor qualificado deve ter realizações
espirituais, mas Cristo adverte que também os falsos instrutores conseguem
produzir grandes prodígios, podendo então confundir os aspirantes que esses
prodígios são realizações espirituais, deixando-os em um completo labirinto.
De que forma então Cristo ensina a resolver essa confusão?
Através da convivência, pois só através dela é que poderá se observar os frutos
produzidos por esses Mestres, pois só a árvore boa produz bons frutos (Mt
7,17).
3.6 A importância do esforço pessoal
Qual o critério para um Cristão receber suas recompensas
celestes? A graça divina baseada na fé, ou o esforço pessoal?
Dessa questão polêmica, muitos cismas foram alimentados entre
Católicos e Protestantes. Algumas linhas Protestantes afirmam categoricamente
que o principal é a graça divina, independente da conduta que tenha a pessoa.
Este é um conceito perigoso, pois pode justificar e desenvolver a própria
preguiça, irresponsabilidade e hipocrisia dentro do ser humano, bastando que
freqüente os cultos e faça suas doações à Igreja!
"Fora da Igreja, que cometam os piores desatinos que serão
sempre perdoados... Mas não abandone a Igreja, senão o fogo ardente o
consumirá!" Assim poderia pensar qualquer crítico ou líder religioso
mercantilista.
No entanto, analisando vários trechos das escrituras Cristãs,
podemos asseverar fortemente que não é assim. Admitir que o esforço pessoal é
insignificante diante da graça divina seria aniquilar o próprio sentido puro da
religião, e ir contra a própria humanidade. Mesmo porque, quem poderá assegurar
que é digno da graça divina? Assegurar-se-á em algum trecho Bíblico? Por que
seria digno da graça divina um estuprador, assassino, falsário, estelionatário
que não mudou sua conduta?
Há trechos Bíblicos que são bastante incisivos quanto à prática
do esforço pessoal, por exemplo, amar os inimigos e orar pelos que perseguem
(Mt 5,44). Existiria um esforço maior do quê o perdão a um inimigo que não se
arrepende?
Outro trecho mais claro sobre o esforço pessoal está contido na
parábola dos talentos. Jesus ensina que o servo que recebeu talentos, e não os
usa para dar lucro ao seu patrão, é um servo indigno e deve ser lançado às
trevas exteriores (Mt 25,14-30). No caso, os talentos foram uma metáfora a uma
moeda da época, mas na tradução encaixa-se literalmente nos talentos que
indicam qualidades, virtudes, dotes que devem ser desenvolvidos, pois este é o
principal objetivo da vida e das próprias religiões: desenvolver o ser humano
de forma total, a fim de aproximar-se do Divino. E sem o sacrifício e esforço
não é possível esse desenvolvimento, pois para ser dado é necessário pedir; e
para entrar tem que bater na porta (Mt 7,7).
O discurso não pode estar alijado da prática. E para seguir os
passos de Jesus é necessário tomar a cruz do sacrifício, e pôr suas palavras em
prática para ter uma vida espiritual segura, uma casa com fundação na rocha (Mt
7,24).
Conclui-se com estes trechos que a prática é mais importante que
as palavras, que estas se tornam vazias sem uma vida adequada. Tornam-se
unicamente mentiras e hipocrisias. Onde está a graça de um hipócrita?
Purificar-se para receber a graça divina não é algo considerado errado
no Budismo, mas não é citado, pois o Budismo enfatiza a luta pelo sacrifício de
si mesmo, o trabalho de lapidação dos defeitos e desejos para acabar com os
sofrimentos dos outros, e assim também acabar os seus, já que somos todos
dependentes uns dos outros.
Um Budista não almeja recompensas. Almeja unicamente conseguir
acabar com os sofrimentos de todos, pois ele não diferencia Deus das pessoas,
dos animais, das plantas, das pedras, dos mosquitos, das baratas, dos ratos ou
de qualquer outro ser. Tudo é Deus, tudo deve ser respeitado, e todos devem ser
ajudados a encerrarem seus sofrimentos e se liberarem. E a única forma de
conseguir isso é adotar uma disciplina mental livre do ódio, luxúria e
intenções nocivas (DALAI LAMA, 2001b, p.17).
Para o Budista, esses méritos não chegam nem sequer a ser uma
recompensa, mas uma conseqüência natural para a Iluminação, assim como beber
água mata a sede.
A grande ênfase dada nas recompensas celestes pelo Judaísmo e
Cristianismo, parece ser uma linguagem dirigida a povos de tradições
comerciantes, em que todo passo é medido através do lucro que se vai ter. Para
grandes lucros, grandes passos devem ser dados, mas se o lucro é pequeno, só um
pequeno passo é necessário. O pensamento oriental é diferente.
Contam que um grande Mestre tibetano, Geshe Chekawa, difundiu
uma prática para desenvolver a compaixão, chamada de prática "Dar e
receber", tornando-se um grande especialista nesta. Através dessa prática,
a pessoa medita imaginando dar tudo que possui de mais precioso, e receber tudo
de negativo dos outros, seja dor, prejuízos, angústias, medo etc. Isso com o
propósito de eliminar a noção do eu e desenvolver a compaixão. Chekawa
desenvolveu tanto a compaixão, que confidenciou a seus discípulos perto da hora
de morrer, que havia tido visões que renasceria em locais celestes, mas que seu
desejo era renascer em locais infernais para poder ajudar as almas agonizantes,
e pediu que orassem para que ele renascesse assim, tamanha era a força de
vontade em ajudar os outros, mesmo que fossem incorpóreos, mesmo que fossem
demônios (DAS, 2001, p.168-170).
Assim pensa o budismo da linha Mahayana: nada
de lucro, nada de recompensas, nada de eu. Apenas o altruísmo, nem que para
isso a pessoa sofra e passe misérias.
Essa disciplina é adquirida através de um esforço constante para
observar profundamente os pensamentos no dia a dia e na meditação. O convívio
com as pessoas é extremamente valioso para se estudar na meditação, pois sem
esse convívio não seria possível desenvolver a compaixão, o estado mais elevado
da mente e que conduz mais rapidamente à Iluminação.
Ter compaixão é cuidar de todos os seres, estar atento a todos,
seja uma formiga que está prestes a ser pisada, seja uma planta que precisa de
água, seja uma pessoa que precisa de consolo. Esta é a força espiritual do
Budismo reformado, o Budismo Mahayana , onde a
principal meta é desenvolver um estado altruístico da mente que tenha a
finalidade de se iluminar para beneficiar todos os seres (DAS, 2001, p.43). Ou
seja, a compaixão vem como prioridade em relação à Iluminação.
O esforço deve ser tão grande, que para se gerar um estado de
compaixão perfeito, a pessoa deve extirpar de si todo traço de egoísmo,
preocupando-se exclusivamente com os outros. Deve esquecer o seu próprio
"eu". O "eu quero", "eu exijo", "eu não
admito", "eu te odeio" devem ser mortos para o bem de todos os
seres, pois o próprio eu não existe. A compaixão é um estado de fortaleza
mental, que permite atrair forças ocultas no âmago humano para ajudar os
outros, enquanto que o egoísmo gera fragilidades mentais, depressões,
distúrbios e doenças psicossomáticas, retirando o próprio ânimo de viver.
Isso para um ocidental pode aparentar muito complicado, pois
essa é a complexa doutrina do Vazio Budista, mas dentro
dessa doutrina de negação com o eu há uma íntima relação com o um famoso trecho
Bíblico de Mateus: "Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quer
vir após mim, negue-se a si mesmo (...)" (Mateus 16,24).
Quando alguém nega-se a si mesmo, destrói sua concepção de eu,
não havendo mais um "meu corpo" com o que se tenha tanto apego. Se
tem apenas um veículo de osso, sangue, carne e órgãos para ajudar os outros,
não importa se esse veículo sofra maus tratos e violências em nome de uma
missão maior de ajuda humanitária. Mas fazer o veículo corporal sofrer por um
capricho pessoal ou financeiro (esportes, espetáculos, desafios da mídia) ou
negligência é um grande equívoco, em que se afirma tenazmente a egolatria e mostra
que não houve a negação de si, ou do eu. Também não existe mais um "minha
vida", "minha honra" ou "meus orgulhos", mas apenas
uma série de atitudes sensíveis que buscam a felicidade do outro radicalmente e
por muito tempo. Existe apenas o cumprimento do dever.
Não ligar para o conforto do corpo nem para o risco de ser um
fracassado materialmente e socialmente, em prol de uma mudança espiritual
profunda, consistente e duradoura de todo um planeta, não seria a própria vida
do Cristo? Que outro exemplo tão marcante teríamos de alguém que negou a si
mesmo, deixando-se voluntariamente ser execrado publicamente e logo após,
assassinado lentamente?
Negar a si mesmo não poderia ter outra conotação que não guarde
semelhança com a Doutrina do Vazio. Nenhuma religião poderia
sobreviver sem a negação de si mesmo dos seus fiéis, negando seus interesses
pessoais em prol da comunidade.
Por quê Vazio? O Vazio seria a completa ausência de sofrimentos,
e isto não pode acontecer se existe uma separação entre o "eu" e o
"outro". Sempre que existir essa diferenciação, o "eu"
sempre irá querer o melhor para si, considerar-se o mais importante, e cedo ou
tarde, irá prejudicar o outro. A compaixão ensina a dar mais importância ao
outro, estar sempre atento se ele está sofrendo. Dessa forma, atingindo-se o
mais alto grau da compaixão, vê-se que nossa felicidade depende da felicidade
do outro, que somos todos interdependentes, que temos que estar sempre focados
no outro e esquecidos do eu. Esquecidos do eu, vemos que o eu não existe, e
então não teremos mais sofrimento, pois não há mais um corpo ou sentimento que
reclame conforto.
No Sermão da Montanha, Cristo define os possuidores dos céus
como os humildes de espírito (Mt 5,3). Em outras versões bíblicas, a tradução
define como "Pobres de espírito". Tal assertiva vem a configurar como
pessoas vazias de arrogância, orgulhos, vaidades, exigências e idéias
pré-concebidas. Seriam os humildes de espírito as pessoas simples, inocentes,
vazias de maldade, mas não vazias de inteligência, pois isto significaria os
"santos tolos". Vazias de uma inteligência que cria para destruir,
mas ricas em uma inteligência que pratica o viver no momento presente,
resolvendo cada problema em seu devido tempo, sem preocupar-se com o futuro e
sem guardar mágoas do passado. É o viver desperto, sem pensar, sem lembrar, sem
projetar. O autêntico não-pensar.
Se formos vazios do eu, seremos o próprio Vazio, a própria
ausência de angústias e dramas. Esta é a doutrina.
3.7 Crítica à vaidade
Grande importância é dada à crítica da vaidade nas escrituras
cristãs e budistas. A vaidade representa o mais puro materialismo, em que a
vida centra-se em si próprio, nos seus prazeres, egoísmos, egolatrias,
orgulhos, poder e riquezas. Tudo é eu, eu e eu. Finda-se assim a vaidade como a
grande oposição do caminho espiritual, que se sustenta no altruísmo,
sacrifício, devoção, fé e partilha com o próximo. Ou se é vaidoso, ou se é
espiritualista. Nunca os dois.
No livro de Jó, a vaidade eiva-se como o fracasso na vida
espiritual, pois Deus não ouve os gritos da vaidade (Jó 35,13); nos Salmos e
Eclesiastes a vaidade retira o objetivo final da vida, provocando uma grande
perda de tempo na estadia física.
Que grande objetivo de vida é este? Por que grande perda de
tempo? Se para a Bíblia o grande objetivo de vida é o caminho espiritual, a
vaidade seria o afastamento dela por alimentar em demasiado a egolatria, ou em
termos tibetanos, o "eu". Alimentar a egolatria estende a uma
concepção de superioridade ao Divino, pois o homem é para si próprio o
principal foco de vida.
Para Jesus, as boas obras não devem ser feitas diante dos
homens, pois assim não se receberá a recompensa celeste. Dar esmolas e orar com
alarde é típico dos hipócritas, que desejam receber glórias humanas (Mt 6,1-5).
Da mesma forma, Buda exorta seus discípulos a não se
vangloriarem de suas virtudes ou nenhuma qualidade sobre-humana, pois assim
ficará envaidecido, alimentando o egoísmo e tirando proveito pessoal
(KHARISHNANDA, 1998, p.99-100).
Todo o cuidado que Jesus e Buda tiveram em alertar seus
discípulos para não se envaidecerem com suas obras, é com o objetivo primordial
para que continuem sempre a crescer espiritualmente. No entanto, se a vaidade
engrandece, a noção de superioridade e busca de prazer terminarão em encerrar
as atividades espirituais, provocando o fracasso de todos.
No caminho espiritual tem que se lutar contra a egolatria. Eu e
Espírito são totalmente incompatíveis.
3.8 A concepção de Deus
Muitos escritores ocidentais e até orientais concebem o Budismo como
ateu. A que Budismo referem-se, já que são várias as correntes? O Budismo tem
como uma de suas características mais peculiares, adaptar-se às mais diferentes
culturas sem esmagá-las, mesclando-se entre si. Assim temos correntes das mais
devocionais, com o Budismo Tibetano, até as correntes mais pragmáticas e
impessoais, como as escolas Zens. Some-se a isso também as diferenças de
linguagem, regiões, épocas, costumes e concepções entre orientais e ocidentais.
A concepção de Deus dentro do Cristianismo também não é das mais
simples. Embora reforme o judaísmo transformando-se em uma nova religião, o
Cristianismo não abole uma só vírgula de seus ensinamentos, mas os amplia e
simplifica ao mesmo tempo. Assim temos as concepções mais impessoais e
indefiníveis para Deus; como também as pessoais, esboçadas no caráter do
próprio Cristo; e outras que tramitam entre a pessoalidade e impessoalidade,
como a Trindade em Um só Deus. A definição da Pessoalidade e Impessoalidade de
Deus é brilhantemente definida por Sri Ramakrishna, um grande reformador do
Hinduísmo no Século XIX. Ramakrishna acaba com o preconceito existente
esclarecendo que ambas as visões são devoções autênticas, pois satisfazem a
níveis de intelecto diferentes. Os devotos do Deus Impessoal normalmente são
pessoas mais intelectualizadas e praticantes de disciplinas espirituais
reflexivas, e os devotos do Deus Pessoal são as pessoas mais simples, que
necessitam de quadros, imagens e gravuras para direcionarem sua fé, o que seria
muito difícil sem uma imagem para adoração. De forma alguma poder-se-ia
considerar a devoção ao Deus Impessoal ou Sem Forma, superior à devoção ao Deus
Pessoal ou com Forma, pois Deus sabe perfeitamente que "ambos chamam pelo
Seu Nome." (ABHEDANANDA, 1995, p. 25-42)
As semelhanças entre o Budismo e o Cristianismo entram tanto no
aspecto pessoal como no aspecto impessoal de Deus.
No Cristianismo encontramos a concepção impessoal de Deus em
pelo menos dois livros: Êxodo e Apocalipse.
No Êxodo, Deus apresenta-se a Moisés sem definição de nome, com
nuances de Impessoalidade:
Então disse Moisés a Deus: Eis que quando eu for aos filhos de
Israel, e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós; e eles me
perguntarem: Qual é o seu nome"? Que lhes direi? Respondeu Deus a Moisés:
EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos olhos de Israel: EU SOU me enviou
a vós.(Êxodo 3,13-14).
No Apocalipse sua definição se estende do início ao fim, quando
utiliza a 1ª e a última letra do alfabeto grego, revestida de extremo poder:
"Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, e que era, e
que há de vir, o Todo-Poderoso" (Apocalipse 1,8).
Para Buda, Deus é algo impessoal, e não se interessa em
defini-Lo como Criador, Sustentador, Reformador ou qualquer outro atributo
usado muito no Hinduísmo. Seu desinteresse teológico nestas discussões é
completo, não significando dizer que O negue: "Além da morada de Brahma,
há um poder estável e Divino, existente antes do princípio e não terá
fim." (KHARISHNANDA, O Evangelho de Buda, 1998, p.87).
No século de Buda, o politeísmo Hindu já dava sinais de
mercantilismo com seus inúmeros Deuses, em que o povo vivia de rituais com o
objetivo de adquirir recompensas, sejam elas materiais ou espirituais. Por
isso, Buda para inovar e satisfazer a sede espiritual do povo de uma forma
sólida, baniu de seus ensinamentos toda especulação teológica, tornando-se
nesse ponto um extremo ao Hinduísmo com seus incontáveis Deuses. Dessa forma,
mostrava-se muito claramente como uma nova religião totalmente diferente,
diferente na aceitação social e na concepção teológica. Deus passa a ser
chamado também de "Mente Grande", uma mente perfeita, aberta,
observadora, compassiva, natural e sem sofrimentos (DAS, 2001, p.58). Derrotar
a nossa mente pequena seria extirpar todos os traços de erros e egoísmos,
podendo então unir-se à Mente Grande, à Grande Perfeição Natural.
Séculos mais tarde o Budismo sofreu grandes mudanças com a sua
introdução no Tibet.
Entrando no campo da devoção a um Deus pessoal, temos a grande
devoção aos santos do Catolicismo, que em muitos casos é mais fervorosa que a
adoração ao Pai ou a Jesus. Da mesma forma procede-se no Budismo Tibetano, com
sua devoção por seus santos ou Mestres, chamados de Bodhisattwas (seres
que firmaram o compromisso de viverem apenas com o propósito de ajudar os
outros). A devoção ao mestre é algo comum no Oriente, em que os fiéis sempre
procuram um Mestre e praticam com ele o tempo necessário, mas sempre observando
se os Mestres obedecem as regras de moral, ética e realização espiritual.
Dentro da seara da Trindade Cristã, o Budismo, após os
acréscimos advindos das terras Tibetanas, passou também possui a sua própria
Trindade, composta por seres vindos do Vazio (não
nascidos), e seres humanos que se santificaram com seus esforços pela
humanidade, os Bodhisattwas.
São o Adi-Buddha, Dhyana-Buddhas e Dhyana-Bodhisattwas (PIAZZA,
1991, p.302)
Adi-Budha é o Buda primordial, ou Buda Cósmico,
sem começo nem fim, nascido do vazio; Deste Buda Único , se
produz pela autoconsideração de si mesmo a segunda categoria da Trindade:
os Dhyana-Buddhas, formada pelos Cinco Budas da Contemplação:
Vairochana, Vajrasattwa, Ratnasambhava, Amitaba e Amoga-sidi (SAMDUP, 2003,
p.26). Estes cinco Budas produzem por auto-reflexão os Dhyana-Bodhisattwas, os Bodhisattwas da
Contemplação, que atuam no mundo dos fenômenos para Iluminar a humanidade. Já
foram quatro as manifestações dos Bodhisattwas da Contemplação:
Avalokiteshvara, Amitabha, Manjushri e Sakiamuni, o Sidarta Gautama.
Portanto, vemos a semelhança que há entre Cristo sendo a 2ª
Pessoa da Trindade Cristã, e Buda pertencendo a 3ª Pessoa da Trindade Budista,
embora a Trindade Budista tenha uma complexidade um pouco maior para as concepções
ocidentais arraigadas de dogmas.
Podemos ainda nos debruçar sobre a semelhança dos
"auxiliares de Deus" no Catolicismo com o Budismo, os santos. Santos
são os mártires que a Igreja beatificou, e estão sempre prontos para
beneficiarem os devotos que lhe oram.
No Budismo Tibetano, temos inúmeras Divindades, sejam elas
Pacíficas ou Iradas. As Divindades Pacíficas ajudam e orientam os seres a
desenvolver as virtudes, e as Iradas testam com seu aspecto e atitudes
coléricas os defeitos, tais como o medo e a ira.
As Divindades Iradas possuem um papel especial na hora da morte
da pessoa. São elas que testam o grau de desenvolvimento espiritual do
discípulo, se este conseguiu extirpar as ilusões de sua mente e desenvolvido as
virtudes. Por isso elas se apresentam com aspectos demoníacos, desagradáveis.
Caso o discípulo tenha tido uma grande disciplina espiritual em vida,
permitindo que consiga manter a estabilidade da mente nesses momentos de
provação pós-morte, ele poderá Iluminar-se ou renascer em locais celestes
(SAMDUP, 2003, p.74-91).
Vimos as semelhanças básicas entre duas religiões de épocas,
culturas, hemisférios, linguagens e fundadores diferentes, mas mesmo assim
irmãs.
Expor que estas religiões possam contribuir uma com a outra pode
soar como a mais pura blasfêmia para seus estudiosos mais fervorosos, não só no
Cristianismo, a religião dos impérios e da dominação mundial, mas também dentro
de certos grupos sectários budistas.
Muitas críticas são lançadas ao Cristianismo devido sua expansão
proselitista mundial, sua falta de exigências, seu alinhamento omisso com
governos descomprometidos, seus erros do passado e seus bilhões de adeptos,
cuja maioria não pratica com profundidade seus ensinamentos. Mas isto é algo
mais ou menos natural para uma religião que se tornou a maior do planeta. O que
não é natural é ela se fechar em si mesma, e não avançar em passos decisivos
rumo ao Ecumenismo.
Ecumenismo é uma palavra de sérias restrições entre os meios
teológicos, especialmente os protestantes. Muitos teólogos advertem que pode
haver respeito entre as religiões, mas jamais compartilhamento de doutrinas. Há
um temor muito grande de perda de fiéis, assim como uma empresa ou país teme a
perda de investimentos, ou a fuga de capital.
Há ainda o temor que se formem opiniões sobre a superioridade de
uma religião sobre a outra. Seria o Budismo superior ao Cristianismo, já que
aquele possui um cabedal de teorias mais complexas, ou seria o Cristianismo
superior justamente por sua simplicidade? Estes seriam pontos fatais que
impediriam por completo uma interação religiosa ecumênica.
Partamos do ponto da inexistência de superioridade de religiões.
Com certeza, dos dois bilhões de Cristãos no mundo, a grande maioria ao
conhecer com mais profundidade o Budismo não acenaria mudar de Religião, nem
consideraria uma religião superior por possuir conhecimentos mais complexos.
Isto porque o que motiva as pessoas a praticarem religião não é o seu cabedal
de conhecimentos ou especulações, mas sim a INSPIRAÇÃO RELIGIOSA que nelas
provoca! Para muitos, uma meditação sobre a vida de Buda não lhe provocaria
muita emoção e motivação, mas meditar e imaginar sobre os sofrimentos de Cristo
poderiam lhe provocar fortes lágrimas. Não é possível outra conclusão, quando
alinhamos o livro de Mateus com o Evangelho de Buda por Kharishnada (1998),
harmonizados brilhantemente pelo Padre Piazza (1991).
E é exatamente por essa ausência de inspiração que se muda de
religião. Quando, por exemplo, não se têm mais emoções ou não se satisfaz com os
conceitos do Catolicismo, muda-se para o Protestantismo, ou para os Ortodoxos,
ou para os Espíritas, Hindus, Budistas etc.
Se sua religião não é mais capaz de provocar arroubos místicos
ou impulsos de melhoria individual, é porque talvez você possa estar
necessitando renovar o entendimento sobre a sua religião, ou, sendo mais
radical, deva participar de um novo grupo religioso mesmo.
Muito embora tenha sido contundente nas críticas ao Cristianismo
e Judaísmo, cabe enumerar que estas só cabem em determinadas épocas e grupos
isolados, pois o Cristianismo também absorve em seu seio as mais primorosas
formas de devoção humana, como a vida e o trabalho de Francisco de Assis, Madre
Teresa de Calcutá; as autênticas devoções do povo em Canindé, Aparecida do Norte,
Fátima na Itália, Santiago no Chile e tantas outras manifestações, com seus
sacrifícios, caminhadas, procissões e arrebatamentos de fé das pessoas mais
humildes e sinceras... Seria insensato generalizar uma religião extremamente
heterogênea em seus dois bilhões de fiéis.
Creio que dessa forma, explanando as pesquisas e reflexões a
respeito do Sincretismo, da Negação de Si Mesmo, da Compaixão, do Teísmo
Budista, e de todas as semelhanças entre o Oriente e Ocidente, ter contribuído
com mais uma vírgula na aproximação Ecumênica das religiões no mundo.
Na guerra do Iraque, o ódio que os soldados americanos mostravam
contra os muçulmanos tinha origem religiosa. Tudo por que eles crêem em Alá,
que nós não cremos. Há séculos atrás, o motivo para as tribos bárbaras usarem
da mais extrema crueldade com os inimigos era o uso de drogas, pois estando
conscientes de si não conseguiriam tamanha perversidade. Hoje, basta adotar uma
religião diferente para que a selvageria do inimigo ultrapasse os limites da
guerra.
Diferenciar e menosprezar religiões é guerra, é morte. E não
precisamos mais disto, se queremos ainda deixar algo para nossos descendentes.
Arhat – ser que conseguiu a suprema liberação, o Vazio.
Comparável aos anjos do Cristianismo e Judaísmo.
Bardo – Dimensões da natureza ou da mente, podendo indicar o
plano físico, o mundo dos sonhos, os mundos infernais, o paraíso e a pós-morte.
Bodhisattwa – ser místico que trabalha
incondicionalmente para dissipar o sofrimento de todos os seres do Universo,
dando sua vida e tudo que possui em nome da compaixão. Comparável aos Santos do
Catolicismo.
Brahma – Deus supremo dentro da religião politeísta da Índia, o
Hinduísmo.
Carma – doutrina oriunda do Egito antigo, segundo a qual todos
os maus feitos das pessoas são anotados pelas Divindades e gerados castigos,
seja na própria existência ou na seguinte. O carma é uma forma de remédio para
que não se cometam os mesmos atos novamente. Tal doutrina é largamente estudada
no Hinduísmo e Budismo.
Dalai Lama – chefe político do Tibet, e chefe
espiritual da seita Tibetana chamada Gelug, uma das quatro principais.
Significa "Oceano de Sabedoria". Vive hoje exilado na Índia, devido a
invasão comunista chinesa em seu país. Dedica-se a difundir o Budismo, a manter
uma diálogo ecumênico entre as religiões, e a buscar a paz no mundo, o que lhe
rendeu o Prêmio do Nobel da Paz em 1989.
Hinayana – Pequeno veículo. É o budismo ortodoxo,
que não permite novos textos além dos discursos de Buda, mas apenas
interpretações. Sua essência é a meditação e os votos monásticos para atingir a
liberação dos sofrimentos. Seus Mestres recebem o título de Swami.
Impermanência – doutrina Budista da
transitoriedade de todos os fenômenos, em que tudo nasce e morre. A
impermanência impregna de sofrimento tudo o que existe, sendo então ilusório e
imaturo o apego a qualquer coisa que se dissipará com o tempo. As reflexões e
meditações sobre a Impermanência enfocam a imaginação na morte da própria
pessoa e dos seus entes queridos, como forma de ver que tudo é um ciclo
natural, para fazer nascer uma fortaleza dentro da pessoa que não permita que
ela se desespere quando acontecer a morte de alguém próximo, ou de sua própria
morte.
Lama – Mestres espirituais do Budismo Tibetano. Quando os
discípulos são reconhecidos como Reencarnações, recebem o título de Tulku.
Quando são reconhecidos como reencarnações de grandes Mestres do passado,
recebem ainda o título de Rinpoche.
Mahayana – Grande Veículo. É o Budismo reformado,
provavelmente por influência do Cristianismo no Século I. Adota a aceleração da
liberação, através da renúncia à sua libertação pessoal em prol de todos os
seres do universo. Configura o amor e a ajuda permanente ao próximo como
superior ao afastamento monástico da sociedade.
Mantran – palavras sagradas que produzem poderes
quando pronunciadas repetidamente. São utilizados na língua Tibetana, ou em
Sânscrito.
Nirvana – estado de cessação dos sofrimentos, ou
o paraíso celeste.
Tantrismo – Religião
oriunda da Índia, com rituais secretos revelados apenas aos Iniciados. Utiliza
ritos mágicos, mantrans, meditações e também a energia sexual. Difundiu-se
entre várias religiões, como o Hunduísmo, Budismo e Gnosticismo.
Originariamente, a prática sexual chamada de maithuna, só
podia ser praticada por casais de união estável, mas depois surgiu a vertente
chamada Tantrismo da Mão Esquerda, que pregava as práticas de união
sexual entre quaisquer pessoas, tenham vínculos ou não, provocando o repúdio e
desprezo da sociedade pelos Grupos Tântricos, diminuindo muito seus adeptos, a
ponto de quase extingui-los.
Samsara – Ciclo de reencarnações que a pessoas
estão submetidas enquanto possuírem dívidas a pagar com a humanidade.
Swami – Título dado a Mestres espirituais no Hinduísmo e Budismo
da linha ortodoxa. São na grande maioria das vezes monges que estabeleceram
votos de pobreza e castidade.
Vajrayana - Veículo de Diamante. Desenvolvido no
Tibet, sob a influência do Tantrismo na Caxemira, Índia e da religião original
do Tibet, a religião Bon. Utiliza a premissa Mahayana de amor ao próximo como
fundamental, mas acrescenta ritos mágicos para auxiliar no caminho da
liberação.
Vazio – Estado de completa ausência de pessoalidade, em que não
se diferencia o eu e o outro. Todos são um, e o um é tudo. É o desenvolvimento
da autêntica compaixão, indicando a autêntica e não-transitória felicidade, ou
o estado da suprema Iluminação. Estado ou região superior ao Nirvana.
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DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho a minha esposa, aos meus pais, e a todos
aqueles que lutam pelo respeito entre as religiões.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Deus de todas as religiões, por ter se expressado de
formas tão diferentes para o bem da humanidade.
"Não há absolutamente nada
que
não seja mais fácil com o conhecimento."
(Shantideva)
Francisco Adalberto
Nascido em Milagres/CE, em 07/11/69, residente em Maranguape/
CE, é graduado em Ciências da Religião pela UVA/ CE.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ACARAÚ - UVA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO TEOLÓGICA DO NORDESTE – FAETEN
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Maranguape/ CE
2005
Fonte: https://www.monografias.com/pt/trabalhos/semelhancas-budismo/semelhancas-budismo2.shtml
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