O que é cultura e o que é Dharma?
«Fazer esta diferenciação, no meu entender, implica um período
prolongado de envolvimento com o Dharma. Se assim não for, podemos começar a
pensar “bem eu concordo com estes tópicos, por conseguinte isto deve ser
Dharma”; mas, relativamente aos aspectos de que discordo, pensarei “isso deve
ser cultura”» - Thubten Chodron
Publicado no Olhar Budista com a permissão da autora. Texto original: “What
is culture, what is Dharma?”, da Ven.
Thubten Chodron. Tradução: Pureza
Vasconcelos. Revisão: Ricardo Sousa.
Como se pode distinguir entre o que é cultura e o que é
Dharma? É uma distinção que leva muito tempo a alcançar.
Fazer esta diferenciação, no meu entender, implica um período prolongado
de envolvimento com o Dharma. Se assim não for, podemos começar a pensar “bem
eu concordo com estes tópicos, por conseguinte isto deve ser Dharma”; mas,
relativamente aos aspectos de que discordo, pensarei “isso deve ser cultura”.
Certo? Então acabamos por fazer o que eu chamo de “deitar fora o Buda com a
água do banho”, reformulando assim o Dharma, de acordo com a nossa
opinião.
Tenho tido muita experiência nesta área, questionando-me sobre o
que é Budismo e o que é cultura. Sou americana e pratiquei Budismo tibetano
vivendo no seio da comunidade tibetana por muitos anos. Já conseguia estar
sentada horas sem fim, aprendera alguns cânticos tibetanos, já sabia vestir as
vestes monásticas, e estava a descobrir a cultura e costumes tibetanos, sabem,
estava a integrar-me.
Então, em 1986, fui para Taiwan receber a ordenação de bhiksuni. Aí
constatei que os chineses não permanecem sentados horas e horas, fazem os
cânticos em pé e não os fazem em tibetano mas em chinês. Também não usam estas
vestes, enquanto lá estive usei as vestes chinesas que têm uma forma de vestir
totalmente diferente. O modo de andar e muitos outros aspectos na formação que
recebi são muito, muito diferentes.
Permaneci em Taiwan dois meses, e passei muito tempo a reflectir
sobre o que é cultura e o que é o Dharma, confrontando a minha experiência em
Budismo tibetano, em Budismo Chinês e o facto de ser americana. Estava na
presença de três factores. Como se integram?
Eu realmente, tive que reflectir muito sobre isto. Não é algo em
que os asiáticos pensem muito, especialmente os tibetanos, porque nunca foram
ocupados por forças ocidentais. Não tiveram uma educação de cariz ocidental,
nem universidades, por isso, não têm disciplinas como antropologia, análise
histórica, criticismo histórico, disciplinas que encontramos em universidades
no Ocidente.
Os tibetanos não reflectem sobre o que é cultura e o que é
Dharma porque muita da cultura tibetana fundiu-se com o Budismo e vice-versa.
Portanto apenas pensam, isto é o que praticamos como Budistas tibetanos.
No meu caso, porque estudei Letras na universidade, tinha uma
perspectiva diferente, olhava para estes aspectos tentando entende-los. Na
verdade, demorou bastante tempo. É um processo em curso, não diria que já
entendi tudo. Mas definitivamente posso afirmar que é um processo em curso, e
algo que deve ser realizado com muito cuidado.
Penso que viver na Asia algum tempo ajuda bastante, pois por vezes, aqui no Ocidente,
temos uma espécie de atitude colonialista, que considera que podemos
melhorar o que lá existe. Não é assim? Pegamos no Budismo e queremos
melhorá-lo, eliminando toda a superstição, a devoção sem sentido, eliminando as
fábulas, querendo tornar o Budismo cientifico.
Mas, teremos a capacidade para o conseguir fazer? Temos realizações
espirituais suficientes de forma a poder distinguir o que é o caminho
espiritual e o que é cultura? Ou estaremos a agir
partindo do pressuposto “bem eu gosto do Dharma, e quero que seja mais
congruente com o que eu já acredito, por isso vou apenas ajustar algumas
coisas…”?
Temos nos confrontado com esta coisa do Budismo secular, mas na verdade
penso que devemos ser cautelosos nesta área. Especialmente no que diz respeito
ao renascimento, há pessoas a afirmar que o Buda
não deu ensinamentos sobre este assunto.
Nas escrituras é muito evidente que o Buda ensinou o renascimento, é
muito claro que este conceito faz parte do sistema budista. Mas
isto significa que é preciso acreditar no renascimento para se poder beneficiar
dos ensinamentos do Buda? Nada disso! Os ensinamentos do Buda podem ser
benéficos quer se acredite no renascimento ou não. Mas, por exemplo, para gerar bodhicitta,
penso que seria muito difícil sem um entendimento do renascimento. Aceitar o
conceito de iluminação seria complicado se considerássemos o
renascimento como algo asiático, não acreditando nisso, ou se
formos agnósticos ou outra coisa deste género.
Não estou a dizer que temos que nos forçar a acreditar em assuntos nos
quais não acreditamos, mas o que estou a dizer é que se houver coisas
que no início não fazem sentido, em vez de as rejeitar liminarmente
releguem-nas para segundo plano e voltem a contemplá-las de quando em quando, verificando
se vão fazendo mais sentido à medida que aprofundam conhecimentos, praticam
mais, e as vossas mentes se vão transformando. E não permitam que o vosso ego
seja o arbitro decisor sobre o que é budismo e o que não é. Isso é
perigoso.
Créditos: Dharma Friendship, Sravasti Abbey, Thubten Chodron.
Esta tradução também foi publicada no thubtenchodron.org.
O texto original faz parte de uma entrevista gravada pela equipa do studybuddhism.com.
A Venerável Thubten Chodron, responde a questões sobre a sua vida e o significado de ser Budista no século 21.
Esta tradução também foi publicada no thubtenchodron.org.
O texto original faz parte de uma entrevista gravada pela equipa do studybuddhism.com.
A Venerável Thubten Chodron, responde a questões sobre a sua vida e o significado de ser Budista no século 21.
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