Quando estamos envolvidos em situações complicadas, tentar
manter o equilíbrio é fundamental. Comportamentos desequilibrados só tendem a
agravar a situação.
Nos últimos meses o mundo tem lutado contra o Coronavírus
COVID-19, atualmente declarado pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
A forma como as pessoas têm lidado com esta situação tem variado. Há aquelas
que dominadas pelo medo açambarcam os supermercados, outras agem como não se
passasse nada e têm comportamentos de risco, aumentando a possibilidade de se
infetarem a si mesmas e aos outros. Em situações difíceis, tentar manter o
equilíbrio é fundamental. Comportamentos desequilibrados só tendem a agravar a
situação.
Não sei exatamento como o Japão está a lidar com esta situação,
mas quando foi o terramoto de 2011, foram um exemplo para o mundo. Neste post
partilho uma mensagem que a Monja Coen partilhou quanto ocorreu o terramoto de
2011 no Japão. Nesta mensagem a Coen Sensei fala-nos sobre como o Japão lidou
com essa situação terrível. Que nos sirva de exemplo e inspiração.
“Quando voltei ao Brasil, depois de residir doze anos no Japão,
me incumbi da difícil missão de transmitir o que mais me impressionou do povo
Japonês: kokoro.
Kokoro ou Shin significa
coração-mente-essência.
Como educar pessoas a ter sensibilidade suficiente para sair de
si mesmas, de suas necessidades pessoais e se colocar à serviço e disposição do
grupo, das outras pessoas, da natureza ilimitada?
Outra palavra é gaman: aguentar, suportar. Educação para ser
capaz de suportar dificuldades e superá-las.
Assim, os eventos de 11 de março, no Nordeste japonês,
surpreenderam o mundo de duas maneiras. A primeira pela violência do
tsunami e dos vários terremotos, bem como dos perigos de radiação das usinas
nucleares de Fukushima. A segunda pela disciplina, ordem, dignidade, paciência, honra e respeito de
todas as vítimas. Filas de pessoas passando baldes cheios e vazios, de uma
piscina para os banheiros.
Nos abrigos, a surpresa das repórteres norte americanas: ninguém queria
tirar vantagem sobre ninguém. Compartilhavam cobertas,
alimentos, dores, saudades, preocupações, massagens. Cada qual se mantinha em
sua área. As crianças não faziam algazarra, não corriam e gritavam, mas
se mantinham no espaço que a família havia reservado.
Não furaram as filas para assistência médica – quantas pessoas necessitando de remédios perdidos – mas esperaram sua vez também para receber água, usar o telefone, receber atenção médica, alimentos, roupas e escalda pés singelos, com pouquíssima água.
Compartilharam também do resfriado, da falta de água para higiene pessoal e coletiva, da fome, da tristeza, da dor, das perdas de verduras, leite, da morte.
Compartilharam também do resfriado, da falta de água para higiene pessoal e coletiva, da fome, da tristeza, da dor, das perdas de verduras, leite, da morte.
Nos supermercados lotados e esvaziados de alimentos, não houve saques.
Houve a resignação da tragédia e o agradecimento pelo pouco que recebiam. Ensinamento de Buda, hoje enraizado na cultura
e chamado de kansha no kokoro: coração de gratidão.
Sumimasen é outra palavra chave. Desculpe,
sinto muito, com licença. Por vezes me parecia que as pessoas pediam desculpas
por viver. Desculpe causar preocupação, desculpe incomodar, desculpe
precisar falar com você, ou tocar à sua porta. Desculpe pela minha dor,
pelo minhas lágrimas, pela minha passagem, pela preocupação que estamos
causando ao mundo. Sumimasem.
Quando temos humildade e respeito pensamos nos outros, nos seus
sentimentos, necessidades. Quando cuidamos da vida como um todo, somos cuidadas
e respeitadas.
O inverso não é verdadeiro: se pensar primeiro em mim e só cuidar de mim,
perderei. Cada um de nós, cada uma de nós é o todo manifesto.
Acompanhando as transmissões na TV e na Internet pude pressentir
a atenção e cuidado com quem estaria assistindo: mostrar a realidade, sem
ofender, sem estarrecer, sem causar pânico. As vítimas encontradas, vivas
ou mortas eram gentilmente cobertas pelos grupos de resgate e
delicadamente transportadas – quer para as tendas do exército, que serviam de
hospital, quer para as ambulâncias, helicópteros, barcos, que os levariam a
hospitais.
Análise da situação por especialistas, informações incessantes a
toda população pelos oficiais do governo e a noção bem estabelecida de que
“somos um só povo e um só país”.
Telefonei várias vezes aos templos por onde passei e recebi
telefonemas. Diziam-me do exagero das notícias internacionais, da
confiança nas soluções que seriam encontradas e todos me pediram que não
cancelasse nossa viagem em Julho próximo.
Aprendemos com essa tragédia o que Buda ensinou há dois mil e
quinhentos anos: a vida é transitória, nada é seguro neste
mundo, tudo pode ser destruído em um instante e reconstruído novamente.
Reafirmando a Lei da Causalidade podemos perceber como
tudo está interligado e que nós humanos não somos e
jamais seremos capazes de salvar a Terra. O planeta tem seu próprio
movimento e vida. Estamos na superfície, na casquinha mais fina. Os
movimentos das placas tectônicas não tem a ver com sentimentos humanos, com
divindades, vinganças ou castigos. O que podemos fazer é cuidar da
pequena camada produtiva, da água, do solo e do ar que respiramos. E isso
já é uma tarefa e tanto.
Aprendemos com o povo japonês que a solidariedade leva à ordem, que a
paciência leva à tranquilidade e que o sofrimento compartilhado leva à
reconstrução.
Esse exemplo de solidariedade, de bravura, dignidade, de
humildade, de respeito aos vivos e aos mortos ficará impresso em todos que
acompanharam os eventos que se seguiram a 11 de março.
Minhas preces, meus respeitos, minha ternura e minha imensa
tristeza em testemunhar tanto sofrimento e tanta dor de um povo que aprendi a
amar e respeitar.
Havia pessoas suas conhecidas na tragédia?, me perguntaram. E só
posso dizer : todas. Todas eram e são pessoas de meu conhecimento.
Com elas aprendi a orar, a ter fé, paciência, persistência. Aprendi a
respeitar meus ancestrais e a linhagem de Budas.
Mãos em prece (gassho)”
– Monja Coen
Referências: Monja Coen, Jojoscope, RTP
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