“FAÇA DE SUA MENTE UM OCEANO”: LAMA THUBTEN YESHE


“FAÇA DE SUA MENTE UM OCEANO”. PARTE 1: SUA MENTE É A SUA RELIGIÃO


Lama Thubten Yeshe
Estaremos postando uma série de textos do Lama Yeshe:”Faça de Sua Mente um Oceano”, ela é dividida em 4 capítulos:
Capítulo Um: sua mente é a sua religião
Quando falo em mente, eu não estou falando apenas de minha mente, minha viagem. Estou falando sobre a mente de todos, qualquer ser vivo universal.
A maneira como vivemos, a nossa maneira de pensar – tudo é dedicado ao prazer material. Consideramos os objetos de extrema importância e nos dedicamos de forma materialista a tudo o que nos faz feliz, famoso ou popular. Mesmo que tudo isso venha da nossa mente, estamos tão preocupados com os objetos externos que nunca olhamos para dentro, questionando o porquê de acharmos tais objetos tão interessantes.
Enquanto existimos, a nossa mente é uma parte inseparável de nós. Como resultado, estamos sempre ou para cima ou para baixo. Não é o nosso corpo que sobe e desce, é a nossa mente – esta mente cujo modo de funcionamento não entendemos. Por isso, às vezes temos de examinar a nós mesmos – não apenas o nosso corpo, mas a nossa mente. Afinal, é a nossa mente que está sempre nos dizendo o que fazer. Temos que conhecer a nossa própria psicologia, ou, na terminologia religiosa, talvez, a nossa natureza interior. De qualquer forma, não importa como a chamamos, temos que conhecer a nossa própria mente.
Não pense que examinar e conhecer a natureza de sua mente é apenas uma viagem oriental. Essa é uma concepção errada. É a sua viagem. Como você pode separar o seu corpo, ou a sua autoimagem, de sua mente? É impossível. Você acha que você é uma pessoa independente, livre para viajar pelo mundo, desfrutando de tudo. Apesar do que você pensa, você não está livre. Eu não estou dizendo que você está sob controle de outra pessoa. É a sua própria mente descontrolada, o seu próprio apego, que te oprime. Se você descobrir como você oprime a si mesmo, sua mente descontrolada desaparecerá. Conhecer a sua própria mente é a solução para todos seus problemas.
Um dia o mundo parece tão lindo; no dia seguinte, parece terrível. Como você pode dizer isso? Cientificamente, é impossível que o mundo mude tão radicalmente. É a sua mente que faz essas aparições. Isso não é dogma religioso; os seus altos e baixos não são um dogma religioso. Não estou falando de religião, estou falando sobre a forma como você conduz a sua vida diária, que é o que te levanta ou te derruba. As pessoas e seu ambiente não mudam radicalmente; é a sua mente. Espero que você entenda isso.
Da mesma forma, uma pessoa pode pensar que o mundo é lindo e as pessoas são maravilhosas e agradáveis, enquanto o outro pensa que tudo e todos são horríveis. Quem é que tem razão? Como é que se pode explicar isso cientificamente? É apenas a projeção individual de suas mentes do mundo percebido. Você pensa, “Hoje é assim, amanhã é como tal; este homem é desta forma; a mulher de outra.” Mas onde está aquela mulher absolutamente bela para sempre? Quem é aquele homem absolutamente belo para sempre? Eles são inexistentes – são simplesmente criações de sua própria mente.
Não esperem que objetos materiais venham te satisfazer ou tornar a sua vida perfeita; é impossível. Como podem grandes quantidades de objetos materiais te satisfazer? Como o fato de dormir com centenas de diferentes pessoas pode te satisfazer? Isso nunca vai acontecer. A satisfação vem da mente.
Se você não conhece a sua própria psicologia, você pode ignorar o que está acontecendo em sua mente até que ela se rompa e você fique completamente louco. As pessoas ficam loucas por falta de sabedoria interior, através de sua incapacidade de analisar a sua própria mente. Elas não podem explicar-se a si mesmos; elas não sabem conversar consigo mesmo. E é por isso que elas estão constantemente preocupadas com todos esses objetos externos, enquanto que, no seu interior, suas mentes estão se diluindo, até que finalmente elas enlouquecem. Elas ignoram o seu mundo interno, e as suas mentes estão totalmente unidas com a ignorância ao invés de ficar atento e envolvido na autoanálise. Examine as próprias atitudes mentais. Torne-se o seu próprio terapeuta.
Você é inteligente e sabe que coisas materiais por si só não podem trazer-lhe satisfação, mas você não tem que embarcar em viagens emocionais ou religiosas para analisar a sua própria mente. Algumas pessoas pensam que não, que este tipo de autoanálise é algo espiritual ou religiosa. Não é necessário classificar-se como um seguidor dessa ou daquela religião ou filosofia, a colocar-se em alguma categoria religiosa. Mas se você quiser ser feliz, você tem que verificar a forma como você conduz a sua vida. A sua mente é sua religião.
Quando você analisar a sua mente, não racionalize ou seja impulsivo. Relaxe. Não se irrite quando os problemas surgem. Basta estar consciente de si e de onde vêm; conhecer suas raízes. Introduza o problema para si mesmo: “Aqui está este tipo de problema. Como tem-se tornado um problema? Que tipo de mente o tornou um problema? Que tipo de mente considera que isso é um problema?”. Ao fazer uma análise minuciosa, o problema desaparecerá automaticamente. É tão simples, não é? Você não precisa acreditar em alguma coisa. Não acredite em mais nada! Ao mesmo tempo, você não pode dizer, “eu não acredito que eu tenho uma mente.” Você não pode rejeitar a sua mente. Você pode até dizer, “eu rejeito os ensinamentos orientais” – concordo. Mas você pode rejeitar a si mesmo? Você pode negar a sua cabeça, o seu nariz? Você não pode negar a sua mente. Por isso, trate-se de forma sensata e tente descobrir a verdadeira fonte de satisfação.
Quando você era criança, você amava e desejava sorvete, chocolate e bolo, e pensava, “Quando eu crescer, eu vou ter todo o sorvete, chocolate e bolo que eu quiser, então eu vou ser feliz”. Agora você tem todo o sorvete, chocolate e bolo que você deseja, mas você está entediado. Você decide que uma vez que tudo isso não te faz feliz, você vai ter um carro, uma casa, uma televisão, um marido ou esposa e, em seguida, você vai ser feliz. Agora você tem tudo, mas o seu carro é um problema, a sua casa é um problema, o seu marido ou esposa é um problema, os seus filhos são um problema. Você percebe, “Oh, isso não traz satisfação.”
O que é, então, satisfação? Examine tudo isso mentalmente e pense; é muito importante. Examine a sua vida desde a infância até o presente momento. A meditação analítica é: “Naquela época minha mente era de uma forma; hoje, minha mente é assim. Ela mudou desta ou daquela maneira.” A sua mente mudou tantas vezes, mas você já chegou a uma conclusão sobre o que realmente te faz feliz? A minha interpretação é que você está perdido. Você sabe o seu caminho ao redor da cidade, como chegar em casa, onde comprar chocolate, mas ainda está perdido. E você não consegue encontrar o seu objetivo. Pense honestamente, não é isso?
Buda diz que tudo o que você tem que saber é o que você é, como você existe. Você não tem que acreditar em coisa alguma. Apenas compreenda a sua mente: como ela funciona, como o apego e o desejo surgem, como a ignorância surge, e de vêm as emoções. Conhecer a natureza destas coisas é o suficiente; que, isso por si só, pode trazer-lhe felicidade e paz. Assim, sua vida pode mudar completamente; tudo gira ao contrário. O que você uma vez interpreta como horrível pode se tornar belo.
Se eu te dissesse que sua vida se resume em chocolate e sorvete, você pensaria que eu estivesse louco. “Não! não! “sua mente arrogante diria. Mas olhe mais profundamente para seu propósito de vida. Por que você está aqui? Para ser bem quisto? Para se tornar famoso? Para acumular bens? Para ser atraente para os outros? Não estou exagerando – examine-se a si mesmo, e então verás. Através de um autoexame completo, você pode perceber que dedicar toda a sua vida à busca da felicidade através do chocolate e sorvete anula completamente o significado de ter nascido humano. Aves e cães têm objetivos semelhantes. Seus objetivos na vida não devem ser superiores aos de cães e galinhas?
Eu não estou tentando decidir sua vida por você, mas faça um check-up. É melhor ter uma vida integrada do que viver na desordem mental. Uma vida desordenada não vale a pena, não é benéfico para si mesmo nem aos outros. Para que você está vivendo – chocolate? Carne? Talvez você pense: “Claro que eu não vivo para comer. Eu sou uma pessoa educada. “Mas a educação também vem da mente. Sem a mente, o que é a educação, o que é filosofia? Filosofia é apenas a criação do espírito de alguém, alguns pensamentos amarrados juntos de uma determinada maneira. Sem a mente não há nenhuma filosofia, nenhuma doutrina, nenhuma matéria universitária. Todas essas coisas são feitas pela mente.
Como você examina a sua mente? Basta ver como ela percebe ou interpreta qualquer objeto que ela encontra. Observe quais sentimentos – confortáveis ou desconfortáveis – surgem. Em seguida, verifique: “Quando eu percebo esse tipo de ponto de vista, esse sentimento surge, esta emoção vem; Eu discrimino de tal forma. Por quê?” Esta é a forma de examinar a sua mente; pronto! É muito simples.
Quando você examina a sua própria mente corretamente, você para de culpar os outros por seus problemas. Você reconhece que suas ações equivocadas vêm de uma mente contaminada e iludida. Quando você está preocupado com objetos externos, materiais, você os culpa e, também, outras pessoas por seus problemas. Projetar essa visão iludida sobre fenômenos externos te faz infeliz. Quando você começa a perceber seu ponto de vista errado, você começa a perceber a natureza de sua própria mente e põe um fim em seus problemas para sempre.
Tudo isso é muito novo para você? Não é. Sempre que você vai fazer qualquer coisa, você primeiro confere e, em seguida, toma a sua decisão. Você já faz isso; eu não estou sugerindo nada de novo. A diferença é que você não o faz suficiente. Você tem que ir além. Isso não significa ficar sentado sozinho em algum canto contemplando seu umbigo. Você pode estar examinando sua mente o tempo todo, mesmo trabalhando ou conversando com outras pessoas. Você acha que o exame da mente é apenas para aqueles que estão em uma viagem oriental? Não pense dessa forma.
Perceba que a natureza de sua mente é diferente do seu corpo físico. Sua mente é como um espelho, refletindo tudo sem discriminação. Se você tem conhecimento – sabedoria, você pode controlar o tipo de reflexão que você permite no espelho de sua mente. Se você ignorar totalmente o que está acontecendo em sua mente, ela vai refletir o lixo que encontra – coisas que fazem você psicologicamente doente. A sabedoria deve distinguir entre as reflexões que são benéficas e as que trazem problemas psicológicos. Por fim, quando você perceber a verdadeira natureza do sujeito e do objeto, todos os seus problemas desaparecerão.
Algumas pessoas pensam que são religiosas, mas o que é ser religioso? Se você não examinar sua própria natureza, não adquirir conhecimento e sabedoria, o que significa então ser religioso? Apenas a ideia de que você é religioso – “Eu sou budista, judeu, qualquer que seja”, não ajuda em nada. Não te ajuda e não ajuda os outros. A fim de realmente ajudar os outros, você precisa adquirir conhecimento e sabedoria.
Os maiores problemas da humanidade são os de natureza psicológica, e não material. Desde o nascimento até a morte, as pessoas estão continuamente sob o controle de seus sofrimentos mentais. Algumas pessoas nunca vigiam suas mentes quando as coisas estão indo bem, mas quando algo dá errado, um acidente ou alguma outra experiência terrível, eles dizem imediatamente: “Deus, por favor me ajude.” Eles se dizem religiosos, mas é uma piada. Na alegria ou tristeza, um praticante sério tem uma consciência constante de Deus e de sua própria natureza. Você não está sendo realista ou até mesmo remotamente religioso se, quando você está se divertindo, cercado por chocolate e preocupado com prazeres mundanos, você esquece de si mesmo e volta-se para Deus apenas quando algo terrível acontece.
Não importa quais das muitas religiões do mundo consideramos, a sua interpretação de Deus ou Buda e assim por diante é simplesmente palavras e sua mente; somente estas duas coisas. Portanto, as palavras não importam tanto. O que você tem que perceber é que tudo – bem e mal – toda a filosofia e doutrina vem da mente. A mente é muito poderosa. Portanto, requer orientação firme. Um poderoso jato precisa de um bom piloto; o piloto de sua mente deve ser a sabedoria, que compreende a sua própria natureza. Dessa forma, você pode direcionar sua poderosa energia mental para beneficiar a sua vida, em vez de deixá-la correr incontrolavelmente como um elefante louco, destruindo a si mesmo e aos outros.
Eu não preciso dizer muito mais. Eu acho que você entendeu o que eu estou falando. Neste ponto, um pequeno diálogo seria mais útil. Faça perguntas; vou tentar responder. Lembre-se que você não tem que concordar com o que eu digo. Você tem que entender a minha atitude, minha mentalidade. Se você não gosta do que eu estou dizendo, por favor, me contradiga. Eu gosto de pessoas para debater comigo. Eu não sou um ditador: “Vocês devem fazer isso; vocês devem fazer aquilo. “Eu não posso te dizer o que fazer. Faço sugestões; o que eu quero é que você verifique. Se você fizer isso, eu estarei satisfeito. Então me diga se você discorda com o que eu disse.
P: Como é que você examina sua própria mente? Como você faz isso?
Lama: Uma maneira simples de examinar a sua própria mente é investigar como você percebe as coisas, como você interpreta as suas experiências. Por que você tem tantos sentimentos diferentes sobre o seu namorado, mesmo durante o período de um dia? Na parte da manhã você se sente bem com ele, a tarde, meio confusa; por que será? O seu namorado mudou radicalmente da manhã à tarde? Não, não houve nenhuma mudança radical, então por que você se sente tão diferente em relação a ele? Essa é a maneira de se examinar.
P: Se alguém não pode confiar em sua mente para tomar uma decisão, pode deixá-la ao acaso? Como dizer a si mesmo: “Se acontecer tal e tal, eu vou por aqui; se outra coisa acontecer, eu vou para lá? “
Lama: Antes de fazer qualquer coisa, você deve se perguntar por que você está fazendo isso, qual é a sua finalidade; qual plano de ação você estará executando. Se o caminho à frente parece problemático, talvez você não deva tomá-lo; se parece que vale a pena, você provavelmente pode prosseguir. Em primeiro lugar, examine-se. Não aja sem saber o que está reservado para você.
P: O que é um lama?
Lama: Boa pergunta. Do ponto de vista Tibetano, um lama é alguém que é extremamente bem educado no seu mundo interno e não conhece somente o quadro presente de sua mente, mas também o passado e o futuro. Psicologicamente falando, o lama sabe de onde ele veio e para onde ele está indo. Ele também tem o poder de controlar a si mesmo e a capacidade de oferecer aconselhamento psicológico para outros. Tibetanos consideram alguém assim um lama.
P: O que seria o equivalente a um lama no Ocidente?
Lama: Eu não sei se temos o equivalente exato aqui. Poderia ser uma combinação de padre, psicólogo e médico. Mas, como eu disse, o lama percebe a verdadeira natureza de sua própria mente como também a dos outros e pode oferecer soluções perfeitas para seus problemas mentais. Não estou criticando, mas eu duvido que muitos psicólogos ocidentais têm o mesmo grau de compreensão da mente ou dos problemas emocionais que as pessoas experimentam. Às vezes, eles oferecem ajuda de má qualidade, explicações superficiais para os problemas que as pessoas estão enfrentando, como: “Quando você era uma criança sua mãe fez isso, seu pai fez aquilo …” Eu discordo; isso não é verdade. Você não pode culpar os pais por seus problemas assim. É claro que fatores ambientais podem contribuir para dificuldades, mas a causa principal está sempre dentro de você; o problema básico não vem de fora. Eu não sei, mas os médicos ocidentais talvez tenham medo demais para interpretar as coisas desta forma. Além disso, eu conheci muitos sacerdotes, alguns dos quais são meus amigos, que tendem a não lidar muito com o presente. Em vez de se concentrar em maneiras práticas para lidar com as incertezas do cotidiano, eles enfatizam considerações religiosas, como Deus, a fé e assim por diante. Mas as pessoas hoje tendem a ser céticas e muitas vezes rejeitam a ajuda que alguns sacerdotes podem lhes oferecer.
P: Como é que a meditação ajuda a tomar decisões?
Lama: Meditação funciona porque não é um método que exige que você acredite em algo, mas sim um no qual você coloca em prática para si mesmo. Você verifica, ou vigia, sua própria mente. Se alguém está dificultando a sua vida e seu ego começa a doer, em vez de reagir, basta perceber o que está acontecendo. Pense em como o som simplesmente sai da boca dessa pessoa, entra em seu ouvido, e causa dor em seu coração. Se você pensar sobre isto da forma correta, te fará rir; você vai ver o quão ridículo é ficar chateado por algo tão insubstancial. Em seguida, o problema desaparecerá – puf! Simples assim. Através da prática, você irá descobrir através de sua própria experiência como a meditação ajuda e como ela oferece soluções satisfatórias para todos os seus problemas. A meditação não é feita de palavras, é sabedoria.
P: Lama, você poderia, por favor, falar um pouco sobre karma?
Lama: Claro: você é karma. É simples assim. Na verdade, o karma é uma palavra sânscrita que, traduzindo, significa causa e efeito. O que isto significa? Ontem aconteceu uma coisa em sua mente; hoje você experimenta o efeito. Ou, seu ambiente: você tem certos pais, você vive em uma determinada situação, tudo tem um certo efeito sobre você. À medida que você caminha por esta vida, todos os dias, tudo o que fazemos, em todo tempo, dentro de sua mente há uma cadeia constante de causa e efeito, causa e efeito; isso é karma. Enquanto você está em seu corpo, interagindo com o mundo dos sentidos, discriminando isso é bom, isso é ruim, sua mente está automaticamente criando karma, causa e efeito. Karma não é apenas uma filosofia teórica, é ciência, ciência budista. Karma explica como a vida evolui; forma e sentimento, cor e sensação, discriminação; sua vida inteira, o que você é, de onde você veio, como você prossegue, a sua relação com a sua mente. Karma é a explicação científica do Budismo para a evolução. Assim, mesmo que o karma seja uma palavra sânscrita, na verdade, você é karma, toda a sua vida é controlada pelo karma, você vive dentro do campo de energia do karma. Sua energia interage com outra energia, depois outra, e outra, e é assim que toda a sua vida se desenrola. Fisicamente, mentalmente, tudo é karma. Portanto, karma não é algo que você tem que acreditar. Devido à natureza de sua mente e seu corpo, você está constantemente circulando pelos seis reinos da existência cíclica, acreditando ou não em karma. No universo físico, quando juntamos tudo, terra, mar, os quatro elementos, o calor e assim por diante, os efeitos resultam automaticamente; não há nenhuma necessidade de uma crença para saber que isso acontece. É a mesma coisa em seu universo interno, especialmente quando você está em contato com o mundo dos sentidos; você está constantemente reagindo. Por exemplo, no ano passado, você se deliciou com chocolate com muita vontade, mas desde então você não comeu mais chocolate, e você sente muita falta , “Oh, eu realmente adoraria um pouco de chocolate.” Você se lembra de sua experiência com chocolate; esta memória faz com que você deseje e almeje mais. Essa reação à sua experiência anterior é karma; a experiência é a causa, o que falta é o resultado. É realmente muito simples.
P: Qual é o seu propósito na vida?
Lama: Você está me perguntando sobre o meu propósito na vida? Isso é algo para que eu analise em mim mesmo, mas se eu tivesse que responder, eu diria que o meu objetivo é me dedicar o máximo que eu puder para o bem-estar dos outros e ao mesmo tempo tentar me beneficiar também. Eu não posso dizer que tenho tido algum êxito, mas esses são os meus objetivos.
P: A mente é diferente da alma? Quando você fala de resolver os problemas da mente, quer dizer que a mente é o problema e não a alma?
Lama: Filosoficamente, a alma pode ser interpretada de várias maneiras. No cristianismo e hinduísmo, a alma é diferente da mente e é considerado como algo permanente e autoexistente. Na minha opinião, não há tal coisa. Na terminologia budista, a alma, a mente ou o que você quiser chamá-lo está em constante mudança, impermanente. Eu realmente não faço distinção entre a mente e a alma, mas dentro de si mesmo você não encontra algo que é permanente ou autoexistente. Em relação aos problemas mentais, não acho que a mente é totalmente negativa; é a mente descontrolada que causa problemas. Se você desenvolver a sabedoria e, assim, reconhecer a natureza da mente não controlada, ela irá desaparecer automaticamente. Mas até que você o faça, a mente descontrolada vai te dominar por completo.
P: Eu ouvi muitas vezes que muitos ocidentais podem agarrar a filosofia do budismo tibetano intelectualmente, mas têm dificuldade em colocá-lo em prática. Faz sentido para eles, mas eles não podem integrá-lo com as suas vidas. O que você pensa ser a causa desse bloqueio?
Lama: Essa é uma ótima pergunta, obrigado. Budismo tibetano ensina você a superar sua mente insatisfeita, mas para isso você tem que fazer um esforço. Para encaixar as nossas técnicas em sua própria vida, você tem que ir devagar, aos poucos. Você não pode simplesmente ir direto ao fundo do poço. É preciso tempo e nós imaginamos que você tenha problemas no início. Mas se você tiver calma, torna-se cada vez mais fácil com o passar do tempo.
P: Qual é a verdadeira natureza da nossa mente e como vamos reconhecê-la?
Lama: Há dois aspectos da natureza da nossa mente: o relativo e o absoluto. A relação é a mente que percebe e funciona no mundo dos sentidos. Também chamamos a mente dualista e por causa do que eu descrevo como sua percepção “isto – aquilo”, ela é totalmente agitada em sua natureza. No entanto, ao transcender a mente dualista, é possível unificar o seu ponto de vista. E é assim que você percebe a verdadeira natureza da mente, o que é totalmente além da dualidade. Ao lidar com o mundo do sentido no nosso cotidiano, a vida normal, mundana, duas coisas sempre aparecem. O aparecimento de duas coisas cria sempre um problema. É como as crianças – uma só tudo bem, mas duas juntas sempre causa problemas. Da mesma forma, enquanto nossos cinco sentidos interpretam o mundo e fornecem informações dualistas à nossa mente, nossa mente se agarra a esse ponto de vista e faz com que automaticamente haja conflito e agitação. Este é o completo oposto da experiência de paz e de liberdade interior. Portanto, ao ir além disso você vai experimentar a paz perfeita. Agora, esta é apenas uma resposta curta para o que você perguntou e talvez seja insatisfatória, porque é uma grande questão. O que eu disse é apenas uma simples introdução a um tema profundo. No entanto, se você tem algum conhecimento neste assunto, a minha resposta pode satisfazê-lo.
P: Quando você examina a sua mente, ela sempre te diz a verdade?
Lama: Não, não necessariamente. Às vezes, suas concepções erradas respondem. Você não deve ouvi-los. Em vez disso, você tem que dizer a si mesmo, não estou satisfeito com o que a minha mente diz; Eu quero uma resposta melhor. Você tem que continuar questionando mais profundamente até que você receba uma resposta sábia. Mas é bom questionar; se você não questionar, você nunca vai chegar a uma resposta. Mas você não deve pedir emocionalmente, Oh, o que é isso, o que é isso, o que é isso? Eu tenho que descobrir; Eu tenho que saber. Se você tem uma pergunta, anote-a; pense nisso com cuidado. Aos poucos, a resposta certa virá. Isso leva tempo. Se você não receber uma resposta hoje, mantenha a questão colada na porta da geladeira. Se você questionar fortemente, as respostas virão, às vezes até em sonhos. Por que você vai obter respostas? Por que sua natureza é a sabedoria. Não pense que você é um ignorante sem esperança. A natureza humana tem aspectos positivos e negativos.
P: Qual é a sua definição de guru?
Lama: Um guru é uma pessoa que pode realmente mostrar-lhe a verdadeira natureza de sua mente e quem sabe os remédios perfeitos para seus problemas psicológicos. Alguém que não conhece sua própria mente nunca pode conhecer a mente dos outros e, portanto, não pode ser um guru. Essa pessoa nunca pode resolver os problemas de outras pessoas. Você tem que ter muito cuidado antes de aceitar alguém como um guru; existem muitos impostores ao nosso redor. Os ocidentais são, por vezes, demasiado confiantes. Alguém aparece dizendo, eu sou um lama, eu sou um yogi; posso dar-lhe o conhecimento, e jovens ocidentais sérios pensam,” eu tenho certeza que ele pode me ensinar alguma coisa. Vou segui-lo.” Isso pode realmente trazer-lhe problemas. Já ouvi falar de muitos casos de pessoas que estão sendo enganadas por charlatães. Os ocidentais tendem a acreditar com muita facilidade. Pessoas orientais são muito mais céticas. Não tenha pressa; relaxe; ponha tudo à prova.
P: A humildade sempre acompanha a sabedoria?
Lama: Sim. É bom ser o mais humilde possível. Se você pode agir com humildade e sabedoria o tempo todo, sua vida será maravilhosa. Você respeitará a todos.
P: Há exceções a essa regra? Eu vi cartazes de um líder espiritual onde diz: “Eu, a quem todos se prostram.” Alguém que faz uma declaração como essa poderia ser sábio?
Lama: Bem, é difícil dizer. O objetivo é ser o mais cuidadoso possível. Nossas mentes são interessantes. Às vezes, somos céticos em relação as coisas que realmente valem a pena e aceitamos cegamente coisas que devemos evitar. Tente evitar os extremos e seguir o caminho do meio, examinando com sabedoria onde quer que vá. Isto é o mais importante.
P: Por que há essa diferença entre ocidentais e orientais que você mencionou?
Lama: As diferenças podem não ser grandes. Os ocidentais podem ser um pouco mais complicados intelectualmente, mas, basicamente, os seres humanos são todos iguais; na maioria das vezes nós nos preocupamos em desfrutar dos prazeres dos sentidos. É no nível intelectual que o nosso caráter se difere. As diferenças em relação aos gurus são provavelmente devido ao fato de que os povos asiáticos tiveram mais experiência com isso.
P: É mais difícil alcançar a sabedoria no Ocidente do que no Oriente, porque no Ocidente estamos cercados por muitas distrações, as nossas mentes falam muito sobre o passado, o futuro, e parecemos estar sob muita pressão ? Devemos nos isolar completamente ou não?
Lama: Eu não posso dizer que obter a sabedoria e conhecimento no Ocidente é mais difícil do que no Oriente. Na verdade, alcançar sabedoria, entendendo sua própria natureza, é algo individual. Você não pode dizer que é mais fácil no Oriente que no Ocidente. Também não se pode dizer que para desenvolver o conhecimento e sabedoria, você tem que renunciar à vida material ocidental. Você não tem que desistir de tudo. Em vez de abandonar radicalmente tudo, tente desenvolver esta perspectiva: eu preciso dessas coisas, mas não posso dizer que elas são tudo que eu preciso. O problema surge quando o apego as estas coisas domina sua mente e você coloca toda sua fé em outras pessoas e bens materiais. Os objetos externos não são o problema; o problema é a mente que se apega aos bens e te diz: eu não posso viver sem isso. Você pode levar uma vida de luxo incrível, mas ao mesmo tempo ser completamente desapegado de suas posses. O prazer que você obtém dessas coisas é muito maior se você apreciá-las sem apego. Se você pode lidar com isso, sua vida será perfeita. Como ocidentais vocês tem a vantagem de obter todas essas coisas sem muito esforço. No Oriente, nós realmente temos que lutar para conseguir algum conforto material. Como resultado, há uma tendência a nos apegar muito mais aos nossos bens, que só resulta em mais sofrimento. De qualquer maneira, o problema é sempre o apego. Tente, simultaneamente ser livre do apego e ao mesmo tempo ter tudo.
Espero ter respondido às suas perguntas. Obrigado a todos.

PARTE 2: UMA ABORDAGEM BUDISTA PARA A ‘DOENÇA MENTAL’


Capítulo Dois: Uma Abordagem budista para a ‘Doença Mental’
Eu nasci perto de Lhasa, capital do Tibete, e fui educado na Universidade Monástica Sera, um dos três grandes mosteiros em Lhasa. Lá eles nos ensinaram a pôr fim aos problemas de humanos – nem tanto os problemas que as pessoas enfrentam em sua relação com o ambiente externo, mas os problemas mentais, internos, que todos nós enfrentamos. Isso foi o que eu estudei – psicologia Budista; como tratar a doença mental.
Nos últimos dez anos, tenho trabalhado com os ocidentais, experimentando para ver se a psicologia Budista também funciona com a mente ocidental. Pela minha experiência, tem sido extremamente eficaz. Recentemente, alguns desses alunos me convidaram para vir ao Ocidente dar palestras e cursos de meditação, por isso estou aqui.
Nós, lamas, achamos que o ponto principal é que os problemas humanos surgem principalmente a partir da mente, não do ambiente externo. Mas ao invés de falar de coisas que você pode achar irrelevante, talvez seria melhor para você fazer perguntas específicas para que eu possa abordar diretamente as questões que são de maior interesse para você.
Dr. Stan Gold: Lama Yeshe, muito obrigado por ter vindo. Eu poderia começar perguntando o que você quer dizer com “doença mental”?
Lama Yeshe: Por doença mental eu quero dizer o tipo de mente que não vê a realidade; uma mente que tende a querer exagerar ou subestimar as qualidades da pessoa ou objeto que percebe, o que sempre causa problemas. No Ocidente, vocês não consideram que esta seja uma doença da mente, mas a interpretação da psicologia ocidental é muito estreita. Se alguém está, obviamente, emocionalmente perturbado, você considera que isto é um problema, mas se alguém tem uma incapacidade fundamental para enxergar a realidade e compreender a sua verdadeira natureza, você não vê isso como problema. Não conhecer a sua própria atitude mental é um problema enorme.
 Os problemas dos seres humanos são mais do que apenas estresse emocional ou relacionamentos conturbados. Na verdade, esses são pequenos problemas. É como se houvesse um enorme oceano de problemas abaixo, mas tudo o que vemos são as pequenas ondas na superfície. Nós nos concentramos nestes problemas – “Oh, sim, isso é um grande problema”, ignorando a verdadeira causa, a natureza insatisfeita da mente humana. É difícil de ver, mas consideramos as pessoas que não têm conhecimento da natureza de sua mente insatisfeita serem doentes mentais; suas mentes não são saudáveis.
P: Lama Yeshe, como você trata a doença mental? Como você ajuda as pessoas com doença mental?
 Lama: Sim, bom, maravilhoso. Minha maneira de tratar a doença mental é levar a pessoa a analisar a natureza básica de seu próprio problema. Eu tento mostrar-lhe a verdadeira natureza da sua mente, para que com a sua própria mente, ela possa entender os seus próprios problemas. Se ela pode fazer isso, pode resolver seus próprios problemas. Eu não creio que eu possa resolver os seus problemas simplesmente conversando com eles um pouco. Isso pode fazer com que se sintam um pouco melhor, mas é um alívio muito transitório. A raiz de seus problemas atinge profundamente a sua mente; enquanto estiver lá, alterar as circunstâncias irá causar mais problemas ainda.
Meu método é fazer com que ele analise sua própria mente, a fim de ver gradualmente a sua verdadeira natureza. Eu tive a experiência de dar um pouco de aconselhamento a alguém e levá-lo a pensar: “Ah, ótimo, o meu problema foi embora; Lama resolveu com apenas algumas palavras “, mas isso é uma invenção. Ele só está inventando. Não há nenhuma maneira de você entender os seus próprios problemas mentais sem se tornar seu próprio psicólogo. É impossível.
P: Como você ajuda as pessoas a compreender os seus problemas? Qual é o seu método?
Lama: Eu tento mostrar-lhes o aspecto psicológico de sua natureza, como analisar suas próprias mentes. Uma vez que eles sabem isso, eles podem analisar e resolver seus próprios problemas. Eu tento ensinar-lhes esta abordagem.
P: Qual é, exatamente, o método que você ensina para conhecer a verdadeira natureza de nossa mente?
Lama: Basicamente, é uma forma de examinar, ou analisar, a sabedoria.
P: É uma espécie de meditação?
Lama: Sim, uma meditação ou avaliação analítica.
P: Como você faz isso? Como você ensina alguém a se avaliar?
Lama: Deixe-me dar um exemplo. Digamos que eu tenha uma boa impressão de alguém. Eu tenho que me perguntar: “Por que me sinto bem com esta pessoa? O que me faz sentir desse jeito?” Analisando este pensamento, eu poderia achar que é só porque ela me tratou bem uma vez, ou que há algum outro motivo semelhante, ilógico. “Eu o amo porque ele fez isso ou aquilo.”  É a mesma coisa se eu tiver uma má impressão de alguém; Eu não gosto dele porque ele fez coisa tal. Mas se você olhar mais profundamente para ver se essas boas ou más qualidades realmente existem dentro da pessoa, você pode ver que a sua discriminação de amigo ou inimigo é baseado em um raciocínio muito superficial, ilógico. Você está baseando o seu julgamento em qualidades insignificantes, e não na totalidade do ser da outra pessoa. Você vê alguma qualidade e você rotula como bom ou ruim, talvez algo que a pessoa disse ou fez, e segue com seu raciocínio exagerado. Então você fica abalado com o que você percebe. Através da análise pessoal, você pode ver que não há nenhuma razão para discriminar desta forma; isso só o deixa irritado, tenso e em sofrimento. Este tipo de avaliação não analisa a outra pessoa, mas sua própria mente, a fim de ver como você se sente e determina que tipo de mente discriminativa te faz sentir assim. Esta é uma abordagem essencialmente diferente da análise ocidental, que se concentra excessivamente em fatores externos e não o suficiente no papel desempenhado pela mente na vivência das pessoas.
P: Então você diz que o problema está dentro da pessoa e não concorda com o ponto de vista de que é a sociedade que faz com que as pessoas fiquem doentes?
Lama: Sim. Por exemplo, eu conheci muitas ocidentais que tiveram problemas com a sociedade. Elas estão com raiva da sociedade, de seus pais, de tudo. Quando eles entendem a psicologia que eu ensino, eles pensam: “Ridículo! Eu sempre culpei a sociedade, mas, na verdade, o verdadeiro problema está dentro de mim esse tempo todo.”  Então eles se tornam seres humanos corteses, respeitosos à sociedade, à seus pais, seus professores e aos demais. Não podemos culpar a sociedade por nossos problemas.
P: Por que as pessoas confundem as coisas assim?
Lama: É porque elas não conhecem a sua verdadeira natureza. O meio ambiente, as ideias e filosofias podem ser causas que contribuem, mas a princípio, os problemas vêm de sua própria mente. Claro, a maneira como a sociedade está organizada perturba algumas pessoas, mas os problemas são geralmente pequenos. Infelizmente, as pessoas tendem a exagerar e ficar chateadas. É assim que funciona a sociedade, mas quem pensa que o mundo pode existir sem ela, está sonhando.
P: Lama, o que você encontra no mar da natureza de alguém?
Lama: Quando eu uso essa expressão, eu estou dizendo que os problemas das pessoas são como um oceano, mas nós vemos apenas as ondas superficiais. Nós não vemos o que está no seu interior, além das ondas superficiais. “Oh, eu tenho um problema com ele. Se eu me livrar dele eu vou resolver os meus problemas.”  É como olhar para os aparelhos elétricos sem entender que é a eletricidade que os faz funcionar.
P: Que tipo de problemas encontramos sob as ondas?
Lama: Insatisfação. A mente insatisfeita é o elemento fundamental da natureza humana. Estamos insatisfeitos conosco; estamos insatisfeitos com o mundo exterior. Essa insatisfação é como um oceano.
P: Você pergunta as pessoas sobre si mesmo ou como elas se sentem para ajudá-las a compreenderem a si mesmas?
Lama: Às vezes, mas geralmente não fazemos isto. Algumas pessoas têm problemas muito específicos; em tais casos, ajuda saber exatamente o que são esses problemas para que possamos oferecer as soluções certas. Mas geralmente não é necessário porque, basicamente, os problemas de todos são os mesmos.
P: Quanto tempo você gasta conversando com essas pessoas para saber mais sobre seus problemas e como lidar com eles? Como você sabe, na psiquiatria ocidental, passamos grande parte do tempo com os pacientes para ajudá-los a descobrir a natureza dos seus problemas por si mesmos. Você faz a mesma coisa, ou você faz isso de forma diferente?
Lama: Nossos métodos não nos obrigam a gastar muito tempo com as pessoas individualmente. Explicamos a natureza fundamental dos problemas e a possibilidade de transcendê-las; então ensinamos técnicas básicas de como lidar com os problemas. Eles aplicam estas técnicas; depois de um tempo, conferimos para ver quais tem sido os resultados.
P: Você está dizendo que, basicamente, todo mundo tem os mesmos problemas?
Lama: Sim, certo. Leste, Oeste, é basicamente a mesma coisa. Mas no Ocidente, as pessoas precisam estar clinicamente doentes antes de dizer que eles estão enfermos. Isso é muito superficial para nós. De acordo com a psicologia de Buda e a experiência dos lamas, a doença é mais profunda do que apenas a evidente expressão de sintomas clínicos. Enquanto o oceano de insatisfação permanece dentro de você, uma leve alteração no ambiente pode ser o suficiente para trazer problemas. Tanto quanto sabemos, mesmo sendo suscetível a futuros problemas, significa que sua mente não seja saudável. Todos nós somos basicamente os mesmos, ou seja, nossas mentes estão insatisfeitas. Como resultado, uma pequena mudança em nossas circunstâncias externas pode nos fazer mal. Por quê? Porque o problema principal está dentro de nossas mentes. É muito mais importante erradicar o problema na raiz do que gastar todo o nosso tempo tentando lidar com os problemas superficiais e emocionais. Esta abordagem não faz com que os problemas cessem; ela apenas substitui um problema que pensamos ter resolvido por um problema novo.
P: O meu problema fundamental é o mesmo que o seu problema?
Lama: Sim, o problema principal de todos é o que chamamos de ignorância – não entendemos a natureza da mente insatisfeita. Enquanto você tem esse tipo de mente, você está no mesmo barco que os outros. Essa incapacidade de ver a realidade não é um problema exclusivamente ocidental ou um problema exclusivamente oriental. É um problema humano.
P: O problema principal é não saber a natureza da sua mente?
Lama: Certo, sim.
P: E a mente de todos tem a mesma natureza?
Lama: Sim, a mesma natureza.
P: Cada pessoa tem o mesmo problema fundamental?
Lama: Sim, mas há diferenças. Por exemplo, há cem anos, as pessoas no Ocidente tinham certos tipos de problemas. Em grande parte, através do desenvolvimento tecnológico, eles resolveram muitos deles, mas agora problemas diferentes surgiram em seu lugar. Isso é o que eu estou dizendo. Novos problemas substituem os antigos, mas eles ainda são problemas, por que o problema fundamental e principal permanece. O problema fundamental é como um oceano; os que tentamos resolver são apenas as ondas. É o mesmo no Oriente. Na Índia, os problemas que as pessoas sentem nas aldeias são diferentes dos problemas das pessoas na capital, Nova Deli, mas eles continuam sendo problemas. Leste, Oeste, o problema fundamental é o mesmo.
P: Lama, no meu entender, o problema principal é que as pessoas perdem o contato com a sua própria natureza. Como é que perdemos o contato com a nossa própria natureza? Por que isso acontece?
Lama: Uma das razões é que estamos preocupados com o que está acontecendo do lado de fora. Estamos tão interessados ​​no que está acontecendo no mundo ao redor que não temos tempo para examinar o que está acontecendo em nossas mentes. Nós nunca nos perguntamos por que o mundo dos sentidos é tão interessante, por que as coisas são como são, por que reagimos como reagimos a este mundo. Eu não estou dizendo que devemos ignorar o mundo exterior, mas devemos gastar pelo menos a mesma quantidade de energia analisando nosso relacionamento com ele. Se pudermos compreender a natureza tanto do sujeito e do objeto, então podemos realmente colocar um fim aos nossos problemas. Você pode sentir que materialmente a sua vida é perfeita, mas você ainda pode se perguntar: “Será que isso realmente me satisfaz? Isso é tudo o que existe?”  Você pode examinar sua mente, “De onde realmente vem a satisfação?”  Se você entender que a satisfação não depende somente de coisas externas, você pode desfrutar de ambas as posses materiais e a paz de espírito.
P: A natureza da satisfação humana é diferente ou é o mesmo para todos no geral?
Lama: Relativamente falando, cada indivíduo tem sua própria maneira de pensar, de sentir e de discriminar as coisas; portanto, a alegria é algo individual. Relativamente. Mas se você analisar mais profundamente, se você olhar para os ​​níveis mais profundos e imutáveis dos sentimentos, da  felicidade e da alegria, você vai ver que todo mundo pode atingir níveis idênticos de prazer. No mundo relativo pensamos: “Meus interesses e prazeres são tal e tal, por isso eu tenho que ter isso ou aquilo. Se eu me encontrar nessa ou aquela circunstância, serei miserável.”  Relativamente, as nossas experiências são individuais.; cada um discerne de sua própria maneira. Mas absolutamente, podemos experimentar um nível idêntico de felicidade.
P: Lama, você resolve os problemas das pessoas fazendo com que eles se retirem em meditação ou se isolem do mundo exterior? É esta a forma que você trata as pessoas?
Lama: Não necessariamente. As pessoas devem estar totalmente conscientes do que acontece em suas próprias mentes, bem como suas mentes estão se relacionando com o mundo exterior, qual o efeito que o ambiente tem sobre suas mentes. Você não desliga a sua vida do mundo afora. Você tem que enfrentá-lo; você tem que estar aberto a tudo.
P: Seu tratamento é sempre bem-sucedido?
Lama: Não. Não necessariamente.
P: O que faz com que seja bem-sucedido em certos casos?
Lama: Às vezes, há um problema na comunicação; as pessoas não compreendem o que estou dizendo. Talvez as pessoas não tenham paciência para colocar os métodos que eu recomendo em ação. Leva tempo para tratar a mente insatisfeita. Mudar a mente não é como pintar uma casa. Você pode mudar a cor de uma casa em uma hora. É preciso muito mais do que isso para transformar uma atitude da mente.
P: De quanto tempo você está falando? Meses? Anos?
Lama: Depende da pessoa e do tipo de problema que estamos falando. Se você está tendo um problema com seus pais, talvez você possa resolvê-lo em um mês. Mas mudar e superar a mente insatisfeita pode levar muitos, muitos anos. As ondas são fáceis; o oceano é mais difícil. Obrigado, esta foi uma ótima pergunta.
P: Você tem algum processo pelo qual você seleciona as pessoas que você tenta ajudar?
Lama: Não, nós não temos nenhum processo de seleção.
P: As pessoas simplesmente vêm até você?
Lama: Sim. Qualquer um pode vir. Independentemente da cor, raça, classe ou gênero, todos os seres humanos têm o mesmo potencial para resolver os seus problemas. Não há nenhum problema que não possa ser resolvido pela sabedoria humana. Se você é sábio, você pode resolvê-los todos.
P: E quanto às pessoas que não são tão sábias?
Lama: Então, você tem que ensinar essas pessoas a serem sábias. A sabedoria não é intuitiva; você tem que abrir a mente das pessoas a ela.
P: Você pode ajudar crianças a resolverem seus problemas desta maneira?
Lama: Isso é definitivamente possível. Mas com as crianças nem sempre é possível intelectualizar. Às vezes, você tem que mostrar-lhes as coisas através da arte ou por suas ações. Às vezes não é tão sábio dizer-lhes para fazer isso ou aquilo.
P: Lama, que tipo de conselho você daria aos pais para ajudar seus filhos a conhecerem a sua natureza interior?
Lama: Primeiro, eu provavelmente diria que é melhor não intelectualizar verbalmente. Ao agir corretamente e criar um ambiente de paz há uma probabilidade maior de ser eficaz. Se você fizer isso, as crianças irão aprender automaticamente. Até as crianças pequenas percebem as vibrações. Eu me lembro que quando eu era criança, quando meus pais discutiam, eu me sentia péssimo; era doloroso. Você não precisa dizer muito às crianças, mas sim se comportar adequadamente, de forma pacífica e suavemente, e criar um bom ambiente. Isso é tudo; especialmente quando eles são pequenos demais para entender a linguagem.
P: Qual a importância do corpo na felicidade humana?
Lama: Se você quer ser feliz, é muito importante que o seu corpo seja saudável, por causa da estreita ligação entre o sistema nervoso físico e sua mente. Uma alteração em seu sistema nervoso irá causar uma alteração em sua mente; mudanças em seu corpo mudam também a sua mente. Há uma forte ligação entre os dois.
P: Você tem algum conselho no que diz respeito à dieta ou comportamento sexual para manter o corpo saudável?
Lama: Ambos podem ser importantes. Claro, somos todos diferentes, então você não pode dizer que a mesma dieta vai atender a todos. Como indivíduos, os nossos corpos estão habituados a dietas específicas, então mudanças radicais na dieta podem chocar nossos sistemas. Além disso, muita atividade sexual pode enfraquecer nosso corpo, que por sua vez pode enfraquecer nossas mentes, o nosso poder de concentração e sabedoria.
P: O que é demais?
Lama: Mais uma vez, isso depende do indivíduo. Não é o mesmo para todos. O poder do corpo de cada um varia de pessoa em pessoa; analise através de sua própria experiência.
P: Por que estamos aqui? Qual é a nossa razão de viver?
Lama: Enquanto nós estamos ligados ao mundo, estamos ligados ao nosso corpo, por isso temos de viver nele.
P: Mas para onde é que eu vou? Eu tenho que ir a algum lugar?
Lama: Sim, claro, você não tem escolha. Você é impermanente, então você tem que ir a algum lugar. Seu corpo é composto de quatro elementos em constante mudança: terra, água, fogo e ar. Quando eles estão em equilíbrio, você cresce adequadamente e fica saudável. Mas se um deles fica fora de equilíbrio com o resto, ele pode causar um caos em seu corpo e acabar com sua vida. A psicologia de Buda ensina que relativamente, a característica da mente é bem diferente da do corpo físico.
P: Será que vivemos continuamente em aperfeiçoamento? Quando você envelhecer, você será melhor do que você é agora?
Lama: Você nunca pode ter certeza disso. Às vezes, os velhos são piores do que as crianças. Depende de quanta sabedoria você tem. Algumas crianças são mais sábias do que os adultos. Você precisa de sabedoria para progredir durante toda sua vida.
P: Se você entender a si mesmo melhor nesta vida, você melhora na próxima?
Lama: Quanto melhor você compreender a natureza de sua mente nesta vida, melhor será a sua próxima vida. Se você entender a sua própria natureza bem ainda nesta vida, ainda no próximo mês suas experiências serão melhores.
P: Lama, o que significa nirvana?
Lama: Nirvana é uma palavra Sânscrita que significa liberdade ou libertação. Libertação interior. Isso significa que o seu coração não está mais vinculado a uma mente descontrolada,  insubmissa e insatisfeita, em total desapego. Quando você percebe a natureza absoluta de sua mente, você libertar-se da escravidão e é capaz de encontrar prazer sem depender de objetos materiais. Nossas mentes estão presas por causa da concepção do ego; para nos livrar das ataduras, temos que abrir mão do nosso ego. Isso pode parecer estranho para você, que você deve abrir mão do seu ego. Certamente não é algo falamos sobre aqui no Ocidente. Pelo contrário, aqui somos ensinados a construir nossos egos; se o seu ego não for forte, você está perdido, você não é humano, você é fraco. Esta parece ser a visão da sociedade. No entanto, do ponto de vista da psicologia budista, a concepção do ego é o nosso maior problema, o rei dos problemas; as outras emoções são como ministros, o ego é rei. Quando você chegar além do ego, as outras ilusões desaparecem, a mente atada e desequilibrada desaparece, e você alcança um estado de espírito de bem-aventurança eterna. Isso é o que chamamos de nirvana, liberdade interior. Sua mente já não está condicionada, amarrada a outra coisa, como ela está no momento. Atualmente, porque nossa mente depende de outros fenômenos, quando esses outros fenômenos acontecem, eles cativam a nossa mente.  Nós não temos nenhum controle; nossa mente é levada como um animal com um anzol em seu nariz. Nós não somos livres; não temos independência. Claro, pensamos ser livres, pensamos ser independentes, mas nós não somos; não somos livres interiormente. Toda vez que a mente descontrolada surge, nós sofremos. Portanto, a libertação significa liberdade da dependência de outras condições e experimentar a estável, bem-aventurança eterna, ao invés dos altos e baixos de nossa vida cotidiana. Isso é o nirvana. Claro, esta é apenas uma breve explicação; poderíamos falar sobre isso durante horas, mas não agora. No entanto, se você entender a natureza da liberdade interior, você percebe que os prazeres sensoriais são transitórios e insuficientes, e que eles não são o ponto mais importante. Você percebe que como ser humano você tem a capacidade e os métodos para chegar a um permanente estado de eterna alegria. Isso te dá uma nova perspectiva da vida.
P: Por que você acha que os métodos da psicologia Budista oferecem ao  indivíduo a chance de alcançar a felicidade eterna, enquanto outros métodos apresentam grandes dificuldades em alcançá-la e, e as vezes, nunca alcançam?
Lama: Eu não estou dizendo que, porque métodos budistas funcionam, não precisamos de quaisquer outros. As pessoas são diferentes; problemas individuais exigem soluções individuais. Um método não funciona para todos. No Ocidente, não se pode dizer que o cristianismo oferece uma solução para todos os problemas humanos, por isso não precisamos da psicologia ou do hinduísmo ou qualquer outra filosofia. Isso é errado. Precisamos de uma variedade de métodos, porque diferentes pessoas têm diferentes personalidades e diferentes problemas emocionais. Mas a verdadeira questão que temos que perguntar sobre qualquer método é se este pode realmente solucionar completamente os problemas da humanidade, para sempre. Na verdade, o próprio Buda ensinou uma incrível variedade de soluções psicológicas para uma vasta gama de problemas. Algumas pessoas pensam que o budismo é um assunto pequeno. Na verdade, Buda ofereceu bilhões de soluções para os inúmeros problemas que as pessoas enfrentam.  Quase que uma solução personalizada foi dada a cada indivíduo. O Budismo nunca diz que há apenas uma solução para cada problema, que “Este é o único caminho.” Buda deu uma incrível variedade de soluções para cobrir todos os problemas humanos que se possa imaginar. Também não há um problema em particular que possa ser resolvido de uma só vez. Alguns problemas têm de ser superados de forma gradual, por etapas. Métodos budistas também levam isso em consideração. É por isso que precisamos de muitas abordagens.
P: Às vezes, vemos pacientes que estão seriamente perturbados e que precisam de grandes doses de vários tipos de remédios, ou apenas uma quantidade extra de tempo antes que você possa se comunicar com eles. Como você se aproxima de alguém com quem você não pode se comunicar intelectualmente?
Lama: Primeiro vamos aos poucos, lentamente,  formando uma amizade, a fim de ganhar a confiança deles. Então, quando melhoram, começamos a nos comunicar. É claro que nem sempre isso funciona. O ambiente também é importante, uma casa tranquila no interior; um lugar tranquilo, imagens adequadas, cores terapêuticas, esse tipo de coisa. É difícil.
P: Alguns psicólogos ocidentais acreditam que a agressão é uma parte importante e necessária da natureza humana, que a raiva é uma espécie de força motriz positiva, mesmo que às vezes nos coloque em apuros. Qual é a sua visão da raiva e da agressividade?
Lama: Eu encorajo as pessoas a não expressar sua raiva, e não se expor. Pelo contrário, eu levo as pessoas a entenderem por que eles ficam com raiva, qual é a causa e como ela surge. Quando você percebe essas coisas, ao invés de se manifestar externamente, sua raiva se dissolve sozinha. No Ocidente, algumas pessoas acreditam que se você se livrar da raiva ao expressá-la, ela deixa de existir. Na verdade, neste caso, o que acontece é que você deixa uma marca em sua mente até se enfurecer novamente. O efeito é exatamente o oposto do que eles acreditam. Parece que a sua raiva desapareceu, mas na verdade você está apenas coletando mais raiva em sua mente. As impressões que a raiva deixam em sua consciência simplesmente reforçam sua tendência para responder a situações com mais raiva. Mas não permitir que ela saia não significa que você está suprimindo-a. Isso também é perigoso. Você tem que aprender a investigar a natureza profunda da raiva, agressividade, ansiedade ou o que é que o incomoda. Quando você olhar para a profunda natureza da energia negativa, você verá que é realmente sem fundamento, insubstancial, que é apenas mental.  Quando a sua expressão mental muda, a energia negativa desaparece, e é digerida pela sabedoria que compreende a natureza do ódio, da raiva, da agressividade e assim por diante.
P: De onde vem o primeiro momento de raiva? A raiva que deixou marca após marca após marca?
Lama: A raiva vem do apego ao prazer. Perceba isso. Esta é a psicologia, que é maravilhosa, mas pode ser difícil de entender. Quando alguém toca em algo que você tem muito apego, você surta. O apego é a fonte da raiva.
Dr. Gold: Bem, Lama, muito obrigado por ter vindo nos visitar. Tem sido muito, muito interessante.
Lama: Muito obrigado, estou muito feliz por ter conhecido todos vocês

Fonte:http://www.budavirtual.com.br/da-serie-faca-de-sua-mente-um-oceano-parte-2-uma-abordagem-budista-para-doenca-mental/


PARTE 3: TUDO VEM DA MENTE


O Budismo pode ser entendido em vários níveis. Pessoas que aderem ao caminho budista, o fazem gradualmente. Assim como você passa lentamente pela a escola ou universidade, se formando de um ano para o outro, assim os praticantes budistas avançam passo a passo ao longo do caminho para a iluminação. No Budismo, no entanto, estamos falando de diferentes níveis de mente; aqui, mais alto e mais baixo referem-se ao progresso espiritual.
No Ocidente, há uma tendência de considerar o Budismo como uma religião no sentido ocidental da palavra. Este é um equívoco. O Budismo é completamente aberto; podemos falar sobre qualquer assunto. O Budismo tem sua doutrina e filosofia, mas também incentiva a experimentação científica, tanto interior e exterior. Não pense que o Budismo é como uma espécie de sistema de crença estreita, de mente fechada. Não é. A doutrina budista não é uma invenção histórica derivada através da imaginação e da especulação mental, mas uma explicação psicológica exata da verdadeira natureza da mente.
Quando você olha para o mundo lá fora você tem uma impressão muito forte de uma realidade fixa, substancial. Você provavelmente não percebe que esta forte impressão é meramente uma interpretação da sua própria mente. Você acha que a realidade forte, sólida realmente existe ”lá fora”, e talvez, ao olhar para dentro de si, você se sente vazio. Este também é um equívoco: esta forte sensação de que o mundo parece verdadeiramente existir ”do lado de fora”, é nada mais do que uma projeção da sua própria mente. Tudo o que você experimenta – sentimentos, sensações, formas e cores, vem de sua mente.
Se você levanta uma manhã com a mente confusa e o mundo ao seu redor parece escuro e nebuloso, ou você acorda com uma mente clara e seu mundo parece bonito e leve, entenda que essas diferentes sensações estão vindo de sua própria mente, ao invés de partir de mudanças no ambiente externo. Ao invés de interpretar erroneamente o que vivenciamos na vida através de concepções erradas, perceba que não é a realidade exterior, mas sim a mente, apenas a mente.
Por exemplo, quando todos neste auditório olham para um único objeto – Eu, Lama Yeshe – cada um tem uma experiência bem diferente, embora, simultaneamente, todos estejam olhando para uma coisa só. Estas experiências diferentes não vêm de mim; elas vêm de suas próprias mentes. Talvez você esteja pensando: “Oh, como ele pode dizer isso? Todos nós vemos a mesma cara, o mesmo corpo, a mesma roupa “, mas isto é apenas uma interpretação superficial. Examine mais a fundo. Você verá que a sua percepção, a maneira como você se sente, é algo individual, e que neste nível, todos somos diferentes. Estas percepções diferentes não vêm de mim, e sim de suas próprias mentes. Esse é o ponto que estou tentando chegar.
Então o pensamento pode surgir: “Ah, ele é apenas um lama; tudo o que ele conhece é a mente. Ele não sabe sobre poderosos avanços científicos, como satélites e outras tecnologias sofisticadas. Não há como você me dizer que essas coisas não vêm da mente ” Mas verifique. Quando eu digo “satélite”, você tem uma imagem do objeto que lhe foi dito que é um satélite. Quando o primeiro satélite foi feito, seu inventor disse: “Eu fiz essa coisa que orbita a Terra; ele será chamado de ‘satélite’.” Então, quando todo mundo viu, eles pensaram: “Ah, isso é um satélite.” Mas “satélite” é apenas um nome, não é?
Antes que o inventor do satélite realmente fizesse isso, ele especulou e visualizou em sua mente. Com base nesta imagem, ele materializou a sua criação. Então ele disse a todos: “Este é um satélite.” Então, todo mundo pensou: “Uau, um satélite; como é bonito, como é maravilhoso.” Isso mostra o quão ridículo somos. As pessoas dão nomes as coisas e nos apegamos ao nome, acreditando ser a coisa real. É a mesma coisa, não importa quais são as cores ou formas as quais nos apegamos. Confira você próprio o que estou falando.
Se você conseguir entender o que estou explicando aqui, você vai ver que, de fato, os satélites e assim por diante vêm da mente humana, e que, sem a mente humana, não há nenhuma existência material no mundo. O que existe, sem a mente? Olhe para todas as coisas que você encontra em supermercados: tantos nomes, tantos alimentos, tantas coisas diferentes. Primeiro as pessoas inventam tudo – este nome, esse nome, isso, isso, isso, aquilo – e então, isso, aquilo outro, isso, e tudo está diante de ti. Se todos estes milhares de itens de supermercados, bem como jatos, foguetes e satélites são manifestações de uma mente humana, então o que não vem da mente?
Se você analisar bem como sua mente se expressa, seus vários pontos de vista e sentimentos, sua imaginação, você vai ver que todas as suas emoções, a forma como você vive sua vida, a maneira que você se relaciona com os outros, tudo vêm de sua própria mente. Se você não entender como sua mente funciona, você vai continuar tendo experiências negativas como a raiva e a depressão. Por que eu chamo de uma mente deprimida, negativa? Porque uma mente deprimida não entende como ela funciona. Uma mente sem entendimento é negativa. A mente negativa te derruba, porque todas as suas reações estão poluídas. Uma mente com entendimento funciona claramente. Uma mente desimpedida é uma mente positiva.
Qualquer problema emocional que esteja enfrentando surge devido à maneira como funciona a sua mente; o seu problema principal está na maneira como você identifica a si mesmo. Você normalmente se vê com baixa estima, como um ser humano de má qualidade, enquanto o que você realmente quer é que sua vida seja da mais alta qualidade possível; que seja perfeita? Você não quer ser um ser humano de má qualidade, não é? Para corrigir o seu ponto de vista e se tornar uma pessoa melhor, você não precisa espremer-se ou saltar de sua própria cultura para outra. Tudo que você precisa fazer é entender a sua verdadeira natureza, a forma como você é. Isso é tudo. É tão simples.
O que eu estou falando aqui não é da cultura Tibetana, ou alguma viagem oriental. Eu estou falando sobre a sua viagem. Na verdade, não importa de qual viagem estou falando; estamos todos basicamente na mesma. Como somos diferentes? Todos nós temos uma mente; todos nós percebemos as coisas através de nossos sentidos; somos todos iguais em querer desfrutar do mundo; e igualmente todos nós nos apegamos ao mundo, não sabendo a realidade de nosso mundo interior, nem do mundo externo. Não há nenhuma diferença, se você tem cabelo longo ou curto, se você é preto, branco ou vermelho, não importa que roupa você veste. Nós somos todos iguais. Por quê? Porque a mente humana é como um oceano e há muitas semelhanças na forma qual temos evoluído na Terra.
Observações superficiais do mundo podem nos levar a acreditar que os problemas das pessoas são diferentes, mas se você analisar mais profundamente, você vai ver que, essencialmente, são os mesmos. O que faz com que os problemas das pessoas aparentem ser únicos são as interpretações através de suas experiências.
Este tipo de analise da realidade não é, necessariamente, um exercício espiritual. Você não tem que acreditar ou negar que você tem uma mente – você tem que somente observar como ela funciona e como você reage as coisas, e não ficar obcecado com o mundo ao seu redor.
Buda nunca colocou muita ênfase na crença. Pelo contrário, ele nos exorta a investigar e tentar compreender a realidade do nosso próprio ser. Ele ressalta que não temos necessidade saber o que ele era, o que é um Buda. Tudo o que ele queria era que nós entendêssemos nossa própria natureza. Não é tão simples assim? Você não tem que acreditar em nada. Simplesmente por fazer o esforço certo, você entende as coisas através de sua própria experiência, e gradualmente desenvolve suas percepções.
Mas talvez você tenha alguma pergunta: o que acontece com as montanhas, árvores e oceanos? Como eles podem vir da mente? Eu vou te perguntar: qual é a natureza de uma montanha? Qual é a natureza de um oceano? Será que estas coisas existem da forma que você os vê? Quando você olha para as montanhas e oceanos, eles aparentam, ao seu olhar superficial como montanhas e oceanos. Mas sua natureza é realmente outra. Se uma centena de pessoas olhar para uma montanha, ao mesmo tempo, todos veem diferentes aspectos, cores diferentes, características diferentes. Mas, quem está correto? Se você conseguir responder isso, você consegue responder a sua própria pergunta.
Concluindo, eu estou dizendo que a sua visão superficial, cotidiana do mundo não reflete a sua verdadeira realidade. A maneira como você interpreta Melbourne, sua concepção de como Melbourne existe, não tem nada a ver com a realidade de Melbourne – mesmo que você tenha nascido em Melbourne e passado todos o seus altos e baixos da vida em Melbourne. Verifique.
Ao dizer tudo isso, eu não estou fazendo uma declaração definitiva, mas sim oferecendo-lhe uma sugestão de como olhar para as coisas de um modo novo. Eu não estou tentando empurrar minhas próprias ideias para você. Tudo o que eu estou fazendo é recomendar que você pegue a sua velha forma de pensar, que simplesmente aceita o que vê pelo valor nominal, e analise com uma mente diferente, uma mente fresca.
A maioria das decisões que a sua mente vem fazendo desde o momento em que você nasceu – “Isto é correto; isso é errado; esta não é a realidade”, foram equivocadas. Uma mente possuída por equívocos é uma mente incerta, nunca tem certeza de nada. Uma pequena mudança no ambiente externo e ela surta; até as pequenas coisas enlouquecem. Se você pudesse ver o quadro inteiro, você veria o quão tolo isso é. Mas nós não vemos a totalidade do quadro; a totalidade é grande demais para nós.
A mente sábia – ou consciência universal – não se incomoda com pequenas coisas. Vendo as coisas em sua totalidade, não há como prestar atenção em pequenos detalhes. A energia proveniente daqui chocando-se com alguma outra energia de lá nunca incomoda o sábio porque ele espera que coisas assim aconteçam; está em sua natureza. Se você tem uma ideia equivocada de que a sua vida será perfeita, você vai sempre se chocar com a sua natureza de altos e baixos. Se você espera que sua vida seja cheia de altos e baixos, sua mente estará muito mais tranquila. O que no mundo externo é perfeito? Nada. Então, já que a energia de sua mente e corpo está intimamente ligada com o mundo externo, como você pode esperar perfeição de sua vida? Você não pode.
Muito obrigado. Espero que vocês tenham entendido o que eu estou dizendo e que eu não tenha criado conceitos errados. Temos que terminar agora. Obrigado.

PARTE 4: Faça da sua mente um oceano


Olhe para a sua mente. Se você fervorosamente acredita que toda sua alegria vem dos objetos materiais e dedica sua vida a buscá-los, você está sob o controle de um concepção confusa, equivocada. Esta atitude não é simplesmente algo intelectual. Quando, de início ouvir isto, você pode pensar: “Oh, eu não tenho esse tipo de mente; Eu não tenho a fé completa que objetos externos me trarão felicidade.” Mas examine-se mais profundamente, através do espelho de sua mente. Você descobrirá que além do intelecto, tal atitude existe e que sua conduta revela que lá no fundo, você realmente acredita neste equívoco. Tire um momento agora para examinar a si mesmo para ver se você realmente está ou não sob a influência de uma mente inferior.
Uma mente que tem uma grande fé no mundo material é estreita, limitada; ela não tem nenhum espaço. Sua natureza está doente, insalubre, ou, na terminologia Budista, dualista.
Em muitos países, as pessoas têm medo daqueles que não são normais, como aqueles que usam drogas. Eles fazem as leis contra o uso de drogas e estabelecem controles alfandegários, elaborados para acabar com o contrabando no país. Examine mais de perto. Consumo de drogas não vem da droga em si, mas da mente da pessoa. Seria mais sensato ter medo da atitude psicológica – a mente poluída que faz com que as pessoas usem drogas ou se envolvam em comportamentos autodestrutivos, mas em vez disso, fazem um monte de barulho sobre as drogas em si, ignorando completamente o papel da mente. Isto, também, é um equívoco grave, muito pior do que as drogas que algumas pessoas usam.
Conceitos errados são muito mais perigosos do que apenas alguns medicamentos. As drogas por si só não vão muito longe, mas conceitos errados podem se espalhar por toda parte e causar dificuldade e inquietação em um país inteiro. Tudo isso vem da mente. O problema é que nós não entendemos a natureza psicológica da mente. Nós prestamos atenção apenas para as substâncias que as pessoas ingerem; estamos totalmente cientes das ideias estúpidas e dos conceitos poluídos que estão atravessando as fronteiras o tempo todo.
Todos os problemas mentais derivam da mente. Temos que tratar a mente, em vez de dizer às pessoas: “Ah, você está infeliz, porque você está se sentindo fraco. O que você precisa é de um novo e poderoso carro …” ou algum outro tipo de bem material. Dizer às pessoas para comprar alguma coisa para ser feliz não é um conselho sábio. O problema principal da pessoa é a insatisfação mental, não a falta de bens materiais. Quando se trata da abordagem dos problemas mentais e como tratar os pacientes, há uma grande diferença entre a psicologia de Buda e a que é praticada no Ocidente.
Quando o paciente retorna e diz: “Bem, eu comprei o carro que você recomendou, mas eu ainda estou infeliz”, talvez o médico diga: “Você deveria ter comprado um carro mais caro” ou” Você deveria ter escolhido uma cor melhor.” Mesmo que ele vá embora e faça isso, ele ainda voltará infeliz. Não importa quantas mudanças superficiais sejam feitas no ambiente desta pessoa, seus problemas não vão parar. A psicologia Budista recomenda que, ao invés de substituir constantemente uma condição inconstante por outra – assim, simplesmente mudando um problema por outro e depois por outro e depois outro sem fim – desista de carros por um tempo e veja o que acontece. Sublimar um problema em outro não resolve nada; é apenas mudar. Embora esta mudança possa muitas vezes ser o suficiente para enganar as pessoas e levá-las a pensar que elas estão ficando cada vez melhores, na verdade não estão. Basicamente, elas ainda estão enfrentando a mesma coisa. Claro, não digo tudo isso literalmente. Estou simplesmente tentando ilustrar como as pessoas tentam resolver os problemas mentais por meios físicos.
Reconheça a natureza da sua mente. Como seres humanos, sempre buscamos satisfação. Ao conhecer a natureza de nossa mente, podemos satisfazer a nós mesmos internamente; talvez até mesmo eternamente. Mas você tem que conhecer a natureza de sua própria mente. Vemos o mundo de forma tão clara, mas estamos completamente cegos para o nosso mundo interno, onde o constante funcionamento dos conceitos errados nos mantém sob o controle da infelicidade e da insatisfação. Isto é o que devemos descobrir.
É fundamental, portanto, certificar que você não vive sob o controle do equívoco de que apenas os objetos externos podem lhe dar satisfação ou fazer a sua vida valer a pena. Como eu disse antes, essa crença não é simplesmente intelectual – a raiz profunda desta ilusão atinge toda sua mente. Muitos de seus desejos mais fortes estão escondidos sob seu intelecto; o que se encontra abaixo do intelecto é geralmente muito mais forte do que o próprio intelecto.
Algumas pessoas podem pensar: “Minha psicologia é básica. Eu não tenho fé em coisas materiais; Eu sou um estudante da religião.” Ter aprendido alguma filosofia religiosa ou doutrina não faz de você uma pessoa espiritual. Muitos professores universitários podem dar explicações intelectuais e claras sobre o Budismo, Hinduísmo e o Cristianismo, mas só isso não faz deles pessoas espirituais. Eles são mais como guias turísticos para os curiosos espiritualmente. Se você não pode traduzir suas palavras em experiência, seu aprendizado não ajuda nem a si mesmo nem aos outros. Há uma grande diferença entre ser capaz de explicar a religião intelectualmente e transformar esse conhecimento em experiência espiritual.
Você tem que aplicar o que você aprendeu em sua própria experiência e entender os resultados que seu comportamento traz. Uma xícara de chá é provavelmente mais útil do que aprender uma filosofia que não pode te ajudar porque você não tem entendimento – pelo menos o chá sacia sua sede. Estudar uma filosofia que não funciona é um desperdício de tempo e energia.
Espero que você entenda o que a palavra “espiritual” realmente significa. Significa procurar, investigar, a verdadeira natureza da mente. Não há nada de espiritual no mundo exterior. Meu terço não é espiritual; minhas roupas não são espirituais. Espiritual significa a mente, e as pessoas espirituais são aquelas que buscam a sua natureza. Com isso, elas entendem os efeitos de sua conduta, o comportamento de seu corpo, sua fala e mente. Se você não entender os resultados cármicos do que você pensa e faz, não há como você se tornar uma pessoa espiritual. Conhecer um pouco de filosofia religiosa não é suficiente para torná-lo espiritual.
Para trilhar o caminho espiritual, você deve começar a entender sua própria atitude mental e como sua mente enxerga as coisas. Se você se apega à átomos minúsculos, sua mente limitada te impedirá de desfrutar dos prazeres da vida. A energia externa é tão incrivelmente limitada que, se você se permitir a continuar preso por ela, sua mente ficará limitada. Quando sua mente é estreita, pequenas coisas te irritam com muita facilidade. Faça de sua mente um oceano.
Ouvimos as pessoas religiosas falarem muito sobre a moralidade. O que é moralidade? A moralidade é a sabedoria que compreende a natureza da mente. A mente que entende a sua própria natureza torna-se automaticamente íntegra ou positiva; e o comportamento motivado por tal mente também torna-se positivo. Isso é o que chamamos de moralidade. A natureza básica da mente estreita é a ignorância; portanto, a mente estreita é negativa.
Se você sabe a natureza psicológica de sua própria mente, a depressão é dissipada espontaneamente; em vez de serem inimigos e estranhos, todos os seres vivos se tornam seus amigos. A mente estreita rejeita; a sabedoria aceita. Examine a sua própria mente para ver se isso é ou não verdade. Mesmo que você experimentasse todos os possíveis prazeres que o universo possa te oferecer, você ainda não estaria satisfeito. Isso mostra que a satisfação vem de dentro, não de qualquer coisa externa.
Às vezes ficamos maravilhados com o mundo moderno: “O que os avanços fantásticos da tecnologia científica fizeram; que maravilha! Nós nunca tivemos essas coisas antes.” Mas volte e olhe outra vez. Muitas das coisas que pensávamos ser fantásticas não muito tempo atrás, agora estão se levantando contra nós. Coisas que desenvolvemos para nos ajudar agora estão nos prejudicando. Não basta olhar somente ao seu redor, analise o mais amplamente possível; você verá a verdade no que eu estou dizendo. Quando começamos a criar coisas materiais, pensamos: “Oh, isso é útil.” Mas, eventualmente, esta energia externa destrói a si mesma. Essa é a natureza dos quatro elementos: terra, água, fogo e ar. Isto é o que a ciência budista nos ensina.
Seu corpo não é uma exceção a esta regra. Enquanto seus elementos estão cooperando uns com os outros, o seu corpo cresce lindamente. Mas depois de um tempo os elementos se voltam contra si e destroem sua vida. Por que isso acontece? Devido à natureza limitada de fenômenos materiais: quando seu poder está esgotado, eles entram em colapso, como nos velhos e decadentes edifícios que vemos ao nosso redor. Quando os nossos corpos tornam-se doentes e decrépitos, é um sinal de que as nossas energias internas estão em conflito, fora de equilíbrio. Esta é a natureza do mundo material; não tem nada a ver com a fé. Enquanto nós continuamos a nascer na carne, sangue e osso do corpo humano, vamos experimentar más condições, quer acreditemos ou não. Esta é a evolução natural do corpo mundano.
A mente humana, no entanto, é completamente diferente. A mente humana tem o potencial de desenvolvimento infinito. Se você pode descobrir, mesmo que de forma simples, que a verdadeira satisfação vem de sua mente, você irá perceber que você pode viver essa experiência sem limite e que é possível descobrir a satisfação eterna.
É realmente muito simples. Você pode conferir por si mesmo agora. Onde você experimenta a sensação de satisfação? Em seu nariz? Em seu olho? Sua cabeça? Em seu pulmão? Seu coração? Seu estômago? Onde é que está o sentimento de satisfação? Em sua perna? Sua mão? Seu cérebro? Não! Ele está em sua mente. Se você diz que é em seu cérebro, porque você não pode dizer que é em seu nariz ou sua perna? Por que você diferencia? Se a sua perna dói, você sente a dor ali, não dentro de sua cabeça. De qualquer forma, seja qual for a dor, prazer ou qualquer outro sentimento que você experimenta, é tudo uma expressão da mente.
Quando você diz: “Eu tive um bom dia”, isso mostra que você está guardando em sua mente a lembrança de um dia ruim. Não há boas ou más experiências, se a mente não nomeá-las. Quando você diz que o jantar de hoje à noite foi bom, isso significa que você está guardando uma experiência de um jantar desagradável em sua mente. Sem a experiência de um jantar ruim é impossível você dizer que o jantar de hoje foi bom.
Da mesma forma, “Eu sou um bom marido”, “Eu sou uma má esposa”, também são meras expressões da mente. Alguém que diz: “Eu sou mau” não é necessariamente ruim; alguém que diz: “Eu sou bom” não é necessariamente bom. Talvez o homem que diz: “Eu sou um bom marido” o faz por que sua mente está cheia de orgulho. Sua mente estreita, presa na crença ilusória de que ele é bom, realmente dificulta a vida de sua esposa. Como, então, ele é um bom marido? Mesmo se ele der alimentos e roupas para a sua esposa, como ele pode ser um bom marido, quando dia após dia ela tem que viver com a sua arrogância?
Se você entender os aspectos psicológicos dos problemas humanos, você pode gerar um verdadeiro sentimento de bondade para com os outros. Apenas falar sobre a bondade não ajuda você a desenvolvê-la. Algumas pessoas podem ter lido sobre bondade centenas de vezes, mas suas mentes são exatamente o oposto. Não é apenas a filosofia, não são apenas palavras; É saber como a mente funciona. Só assim você pode desenvolver a bondade amorosa; só então você pode se tornar uma pessoa espiritual. Caso contrário, você pode estar convencido de que você é uma pessoa espiritual, mas é apenas intelectual, como o homem arrogante que acredita que ele é um bom marido. É uma ficção; sua mente está apenas inventando.
Vale a pena você dedicar a sua vida preciosa ao controle de sua mente de elefante desenfreado e dar uma direção a sua poderosa energia mental. Se você não aproveitar a sua energia mental, a confusão continuará através de sua mente e sua vida será um desperdiço total. Seja o mais sábio possível com a sua mente. Isso faz com que sua vida valha a pena. Eu não tenho muito mais a dizer, mas se você tiver alguma dúvida, por favor pergunte.
P: Eu entendo o que você disse sobre o conhecimento da natureza de nossa mente e que isto traz a felicidade, mas você usou o termo “eterno”, o que implica que se você entender completamente sua mente, você pode transcender a morte do corpo físico. Isso está correto?
Lama: Sim, isso é certo. Mas isso não é tudo. Se você sabe como e quando surge a energia física negativa, você pode convertê-la em sabedoria. Desta forma, sua energia negativa digere-se e não bloqueia o seu sistema nervoso. Isso é possível.
P: É o corpo da mente, ou é a mente do corpo?
Lama: O que quer dizer?
P: Porque eu reconheço o meu corpo.
Lama: Como você reconhece isso? Você reconhece este terço [segurando-o]?
P: Sim.
Lama: Isso o faz parte da mente? Porque você entende assim?
P: Isso é o que eu estou te perguntando.
Lama: Bem, essa é uma boa pergunta. Seu corpo e mente são fortemente ligados; quando algo afeta seu corpo também afeta sua mente. Mas isso não significa que a natureza relativa do seu corpo físico, sua carne e osso, é a mente. Você não pode dizer isso.
P: Quais são os objetivos do Budismo: a iluminação, a fraternidade, o amor universal, consciência plena, realização da verdade, a realização do nirvana?
Lama: Todos os itens acima: consciência plena, o estado totalmente desperto da mente, o amor universal e a ausência de parcialidade e preconceito baseado na constatação de que todos os seres vivos em todo o universo são iguais em sua vontade de ser feliz e evitar a infelicidade . No momento, nossas mentes dualistas e equivocadas dizem: “Este é o meu amigo íntimo, eu quero ficar com ele para mim e não compartilhá-lo com outros.” Um dos objetivos do Budismo é atingir o oposto disso, o amor universal. É claro que o objetivo final é a iluminação. Em suma, o objetivo dos ensinamentos do Buda sobre a natureza da mente é para alcançarmos todas as realizações que você mencionou.
P: Mas o que é considerado como sendo o objetivo mais alto ou mais importante?
Lama: Os maiores alvos são a iluminação e o desenvolvimento do amor universal. A mente estreita tem dificuldade de experimentar tais realizações.
P: Nas pinturas tibetanas, como é que as cores correspondem aos estados de meditação ou de diferentes estados psicológicos?
Lama: Diferentes tipos de mente distinguem cores diferentes. Dizemos que quando estamos com raiva, vemos vermelho. Este é um bom exemplo. Outros estados de espírito visualizam suas respectivas cores. Em alguns casos, quando as pessoas estão emocionalmente perturbadas e são incapazes de funcionar em suas vidas cotidianas, cercá-las de determinadas cores pode ajudar a acalmá-las. Se você pensar sobre isso, você irá descobrir que a cor realmente vem da mente. Quando você fica com raiva e vê o vermelho, esta cor é interna ou externa? Pense nisso.
P: Quais são as implicações práticas, do que você ensina sobre a ideia de que se algo é bom é porque você também deve ter em sua mente a ideia do que é ruim?
Lama: Eu estava dizendo que quando você interpreta as coisas como boas ou más, é a interpretação da sua própria mente. O que é ruim para você, não é necessariamente ruim para mim.
P: Mas o meu mau ainda é o meu mau.
Lama: O seu mau é ruim para você porque sua mente chama isso de mau.
P: Posso ir além disso?
Lama: Sim, você pode ir além disso. Você tem que perguntar e responder esta pergunta: “Por que eu chamo isso de ruim?” Você tem que questionar tanto o objeto e o sujeito, tanto a situações internas quanto as externas. Dessa forma, você percebe que a realidade está em algum lugar no meio, que no espaço entre os dois há uma mente unificada. Isso é sabedoria.
P: Quantos anos você tinha quando entrou no mosteiro?
Lama: Eu tinha seis anos.
P: O que é o nirvana?
Lama: Quando você transcende os conceitos errados da mente confusa e atinge a sabedoria eterna, aí sim, você atingiu o nirvana.
P: Cada religião diz que é o único caminho para a iluminação. O Budismo reconhece todas as religiões como provenientes da mesma fonte?
Lama: Existem duas maneiras de responder a essa pergunta, o absoluto e o relativo. As religiões que enfatizam a realização da iluminação provavelmente estão falando a mesma coisa, mas onde eles diferem é na sua abordagem, em seus métodos. Eu acho que isso é útil. Mas também é verdade que algumas religiões podem ser baseadas em equívocos. No entanto, eu não os repudio. Por exemplo, alguns mil anos atrás, existiam algumas tradições hindus que diziam que o sol e a lua são deuses; algumas ainda existem. Do meu ponto de vista, essas concepções são erradas, mas eu continuo a dizer que elas são boas. Por quê? Porque mesmo que filosoficamente sejam incorretas, elas ainda ensinam a moralidade básica de ser um bom ser humano e não prejudicar os outros. Isso dá a seus seguidores a possibilidade de chegar ao ponto em que eles descobrem por si mesmos, “Oh, eu costumava acreditar que o Sol era um deus, mas agora vejo que estava errado.” Portanto, há algo bom em todas as religiões e não devemos julgar: “Isso é totalmente certo; ou isso é totalmente errado.”
P: Até onde você sabe, como é a vida das pessoas no Tibete nos dias de hoje? Eles são livres para seguir sua religião budista como antes?
Lama: Eles não são livres e estão completamente proibidos de qualquer prática religiosa. As autoridades chinesas são totalmente contra qualquer coisa que tenha a ver com religião. Mosteiros foram destruídos e escrituras sagradas queimadas.
P: Mas, apesar de seus livros terem sido queimados, as pessoas mais velhas ainda mantém o Darma em seus corações e mentes, ou eles esqueceram tudo?
Lama: É impossível esquecer e separar suas mentes de tal sabedoria poderosa. Assim, o Darma permanece em seus corações.
P: Todas as religiões, por exemplo, o Hinduísmo, ensinam aos seus seguidores a evitarem maus comportamentos, praticar as boas obras e que os bons resultados kármicos os seguirão. Como, de acordo com o Budismo, esse acúmulo de karma positivo ajuda a atingir a iluminação?
Lama: O desenvolvimento mental não acontece através de uma mudança radical. Contaminações são eliminadas, ou purificadas, lentamente. Há uma evolução gradual. Isso leva tempo. Algumas pessoas, por exemplo, não aceitam o que o Budismo ensina sobre o amor universal, que você deve querer que os outros tenham a felicidade que você quer para si mesmo. Sentem-se: “É impossível amar os outros como amo a mim mesmo.” Leva tempo para eles compreenderem o amor universal ou a iluminação, porque suas mentes estão preocupadas com conceitos errados e não há espaço para a sabedoria. Mas aos poucos, lentamente, através da prática, as pessoas podem ser conduzidas à perfeita sabedoria. É por isso que eu digo que é necessário uma variedade de religiões para a raça humana. Mudança física é fácil, mas o desenvolvimento mental leva tempo. Por exemplo, um médico pode dizer a uma pessoa doente, “sua temperatura está muito alta, por isso, evite carne e coma apenas biscoitos secos por alguns dias.” Então, quando a pessoa começa a se recuperar, o médico reintroduz lentamente alimentos pesados ​​em sua dieta. Dessa forma o médico gradualmente leva a pessoa de volta à saúde perfeita.
P: Quando os monges e monjas tibetanos morrem, quando seus corpos desaparecem, eles levam seus corpos com eles?
Lama: Sim, eles levam seus corpos às suas próximas vidas em sua jola [maleta do monge] … Estou brincando! Não, isso é impossível. Ainda assim, existem alguns praticantes cujos corpos são dissolvidos por sabedoria e realmente desaparecem. Isso é possível. Mas eles não levam seus corpos com eles fisicamente.
P: Uma vez que nossas mentes podem nos enganar, e sem um professor não podemos descobrir a verdade, mosteiros budistas são projetados de modo que cada monge puxa seus colegas até o próximo passo do conhecimento, em uma espécie de cadeia? É isso que você está fazendo agora, você ensina para outros aprenderem?
Lama: Sim, os mosteiros são algo assim, e também é verdade que eu aprendo enquanto ensino. Mas precisamos de professores porque o conhecimento teórico é apenas informação seca e pode ser tão relevante como o vento assobiando entre as árvores. Precisamos de uma chave para colocá-lo em experiência, para unificar o conhecimento com nossas mentes. Então conhecimento se torna sabedoria e é a solução perfeita para os problemas. Por exemplo, a Bíblia é um excelente livro que contém todos os tipos de grandes métodos, mas se você não tem a chave, o conhecimento que está na Bíblia não entrará em seu coração. Só porque um livro é excelente, não significa, necessariamente que ao lê-lo você terá o conhecimento que ele contém. A única maneira de isso acontecer é fazer com que a sua mente desenvolva, primeiramente, a sabedoria.
P: Você disse que o processo de iluminação é gradual, mas com certeza não tem como ser iluminado e ignorante ao mesmo tempo. Não que dizer, então, que a iluminação é súbita?
Lama: Claro, você está certo. Você não pode ser iluminado e ignorante junto. Aproximar-se da iluminação é um processo gradual, mas uma vez que você a alcança, não há como voltar atrás; quando atingimos o estado de total despertar da mente, no momento que experimentamos isto, permanecemos iluminados para sempre. Não é uma droga alucinógena – quando você está dopado, você está se divertindo, e quando o efeito da droga desaparece, você tem uma recaída e volta a seu estado depressivo novamente.
P: E podemos experimentar a iluminação permanente nesta vida, enquanto ainda estamos vivos, antes de morrer?
Lama: Sim, isso é possível. Nesta vida … se você tem sabedoria suficiente.
P: Ah … se você tem sabedoria suficiente?
Lama: Sim … este é o problema: se você tem sabedoria suficiente.
P: Por que precisamos de um professor?
Lama: Por que você precisa de um professor de Inglês? Para a comunicação. É a mesma coisa com a iluminação. A iluminação é também comunicação. Mesmo para atividades mundanas, como compras, precisamos aprender a língua, de modo que podemos nos comunicar com os lojistas. Se precisamos de professores para isso, é claro que precisamos de alguém para nos guiar ao longo de um caminho que lida com tantas incertezas, como vidas passadas e futuras e níveis profundos de consciência. Estas são inteiramente novas experiências; você não sabe para onde está indo ou o que está acontecendo. Você precisa de alguém para se certificar de que você está no caminho certo e não alucinando.
P: Quem ensinou o primeiro professor?
Lama: Sabedoria. O primeiro professor foi a sabedoria.
P: Bem, se o primeiro professor não tinha um professor humano, por que qualquer um de nós precisa de um?
Lama: Porque não há começo e não há fim. A sabedoria é a sabedoria universal, a sabedoria é a consciência universal.
P: Será que gerar o amor universal traz a iluminação ou você primeiro tem que alcançar a iluminação e, em seguida, gerar o amor universal?
Lama: Primeiro você gera o amor universal. Em seguida, sua mente alcança a compreensão do equilíbrio, onde você não enfatiza nem isso nem aquilo. Sua mente atinge um estado de equilíbrio. Na terminologia budista, você vai além da mente dualista.
P: É verdade que a mente só pode levá-lo até um certo ponto na jornada espiritual e que em algum momento, a fim de irmos mais longe, temos que renunciar a sua mente?
Lama: Como você pode renunciar a sua mente? Estou brincando. Não, é impossível para você abandonar sua mente. Enquanto você for um ser humano, vivendo o que chamamos de uma vida normal, você tem uma mente; quando você alcançar a iluminação, você ainda tem uma mente. Sua mente está sempre com você. Você não pode se livrar dela, simplesmente dizendo: “Eu não quero ter uma mente”. Karmicamente, o corpo e a mente ficam ligados. É impossível abrir mão de sua mente intelectualmente. Se a sua mente fosse um fenômeno material, talvez você pudesse, mas não é.
P: Por que você diz que o mundo externo é ilusório quando, após a partida da nossa consciência, o mundo material permanece?
Lama: Eu digo que o mundo material é ilusório, pois os objetos que existem, existem apenas na visão de sua própria mente. Olhe para esta tabela: o problema é que você acha que quando você partir, a sua visão deste quadro ainda existe, que esta tabela continua a existir do jeito que você viu. Isso não é verdade. Sua visão da tabela desaparece, mas uma outra visão da tabela continua a existir.
P: Como podemos saber quem é o professor certo?
Lama: Você pode reconhecer o seu professor através de sua própria sabedoria e não apenas por seguir cegamente alguém. Investigue potenciais professores, tanto quanto você puder. “É este o professor certo para mim ou não?” Questione profundamente antes de seguir o conselho de qualquer professor. Em Tibetano temos uma advertência para não pegar um professor como um cão agarra um pedaço de carne. Se você dá a um cão faminto um pedaço de carne, ele vai apenas devorá-lo sem hesitação. É fundamental que você questione possíveis líderes espirituais, professores, gurus, seja lá quem for com muito cuidado antes de aceitar a sua orientação. Lembre-se do que eu disse antes sobre equívocos e doutrinas poluídas sendo mais perigoso do que drogas? Se você seguir os equívocos de um guia espiritual falso, isso pode ter um efeito desastroso sobre você e fazer com que você sofra perdas, não só nesta vida, mas em muitas outras também. Ao invés de se ajudar, você pode sofrer um grande dano. Por favor, seja muito sábio na escolha do seu mestre espiritual.
P: Lama, o que você quer dizer quando fala da mente dualista, ou dupla? O que significa “examinar” a si mesmo?
Lama: Desde o momento que você nasceu até hoje, duas coisas continuam muito confusas em sua mente; há sempre duas coisas, nunca apenas uma. Isso é o que queremos dizer quando falamos da mente dualista. Sempre que você vê uma coisa, sua mente automaticamente, instintivamente, compara-a com outra coisa: “E quanto a isso?” Essas duas coisas causam um desequilíbrio. É assim que funciona a mente dualista. Agora, sua outra pergunta. Quando eu digo examinar, eu quero dizer que você deve investigar a sua própria mente para ver se ela é saudável ou não. Todas as manhãs, examina o seu estado mental para certificar-se de que, durante o dia você não irá surtar. Isso é tudo que eu quero dizer sobre o exame pessoal.
P: Se tudo está karmicamente determinado, como vamos saber se a nossa motivação é correta, ou que temos uma chance de escolha incondicional?
Lama: Motivação pura não é determinada pelo karma. Uma motivação pura vem da compreensão da sabedoria. Se não houver entendimento em sua mente, será difícil ter uma motivação pura. Por exemplo, se eu não entendo minha própria natureza egoísta, eu não posso ajudar os outros. Contanto que eu não reconheça o meu comportamento egoísta, eu sempre culparei os outros pelos meus problemas. Quando eu sei que minha própria mente, a minha motivação é pura, posso sinceramente dedicar meu corpo, fala e mente para o bem-estar dos outros. Obrigado, esta foi uma pergunta maravilhosa, e eu acho que a motivação pura é um bom lugar para terminar.
Muito obrigado. Se tivermos uma motivação pura, dormimos bem, sonhamos bem e aproveitamos a vida bem, então muito obrigado.
Lama Yeshe nasceu no Tibete e teve formação na distinta Sera Monastic University (Universidade do Mosteiro Sera), em Lhasa. Em 1969, juntamente com o seu discípulo, o Lama Thubten Zopa Rinpoche, começou a ensinar o Budismo aos Ocidentais no seu Mosteiro Kopan, em Katmandu, no Nepal. Em 1974, começaram a viajar por todo o mundo para espalhar o Dharma. Em 1975, criaram a Fundação para a Preservação da Tradição Mahayana: uma rede de projetos budistas que inclui mosteiros em seis países e centros de meditação em mais de trinta.

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