CONSUMO CONSCIENTE - THICH NHAT HANH

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CONSUMO CONSCIENTE - THICH NHAT HANH

Todos precisamos aprender como lidar e cuidar da nossa raiva. Para fazer isso, temos que prestar mais atenção ao aspecto bioquímico da raiva, porque este sentimento tem suas raízes tanto no corpo quanto na mente. Precisamos então examinar profundamente o modo como comemos, bebemos, consumimos, e também a forma como lidamos com o corpo na vida cotidiana.
A raiva não é apenas uma realidade psicológica Aprendemos nos ensinamentos do Buda que o corpo e a mente não são separados um do outro, mas uma só realidade. A raiva não é apenas um processo mental, porque os aspectos mentais e físicos estão interligados e não podem ser separados. O budismo, chamamos a formação corpo/mente de namarupa. Namarupa é o corpo-mente como uma única entidade. A mesma realidade aparece às vezes na mente e às vezes no corpo. Se conseguirmos superar a dualidade que vê a mente e o corpo como totalmente separados um do outro, chegaremos muito perto da verdade.
Muitas pessoas estão começando a compreender que o que acontece no corpo também acontece na mente, e vice-versa. A medicina moderna sabe que a doença do corpo pode ser resultado da doença da mente e também que a doença da mente pode estar relacionada com a doença do corpo. Por isso temos que cuidar muito bem do corpo se quisermos dominar a raiva. A maneira como comemos e aquilo que consumimos passa então a ser extremamente importante.
A raiva, a frustração e o desespero que sentimos têm muita relação com o nosso corpo e com os alimentos que ingerimos. Precisamos, portanto, cuidar bem da nossa alimentação para nos protegermos contra a raiva e a violência. A maneira como cultivamos os alimentos, o tipo de comida que ingerimos e o modo como comemos podem trazer a paz e aliviar o sofrimento.
Nossa comida desempenha um papel muito importante na raiva que sentimos. Os alimentos podem conter raiva. Quando comemos a carne de um animal que estava com a doença da vaca louca, a raiva está presente nessa carne. Esta é uma constatação óbvia, mas precisamos também prestar atenção nos outros tipos de alimentos que ingerimos. O ovo ou o frango que comemos também podem conter uma grande quantidade de raiva. E, se comemos a raiva, expressamos a raiva. Hoje em dia, as galinhas são criadas em larga escala em fazendas onde não podem andar, correr e ciscar. São alimentadas exclusivamente pelos seres humanos e mantidas em pequenas gaiolas sem poder se mexer, sendo obrigadas a ficar de pé noite e dia. Pense na possibilidade de você não ter o direito de andar ou correr. Imagine ter que permanecer noite e dia no mesmo lugar. Você enlouqueceria. É isso o que acontece com as galinhas: ficam loucas.
Para que as galinhas produzam mais ovos, criam-se o dia e a noite artificiais, usando uma iluminação com o objetivo de fazer dias e noites mais curtos, para que as galinhas ponham mais ovos. Essas aves acumulam muita raiva, frustração e sofrimento, e expressam esses sentimentos atacando as galinhas que estão perto delas, usando o bico para ferir as outras. Com isso elas sangram, sofrem e morrem. Para evitar que a frustração faça com que as galinhas ataquem umas às outras, os criadores agora partem seus bicos.
Pense nisso: quando você come a carne ou o ovo de uma dessas galinhas, está ingerindo raiva e frustração. Preste atenção. Tome cuidado com o que você come. Se ingerir raiva, você terá e expressará raiva. Se comer desespero, sentirá e manifestará desespero. Se engolir frustração, expressará frustração. Temos que comer ovos alegres de galinhas felizes. Precisamos beber um leite que não venha de vacas raivosas. Deveríamos tomar o leite orgânico de vacas criadas de um modo natural. É preciso haver um grande movimento que estimule e apóie os fazendeiros, encorajando-os a criarem seus animais da maneira mais respeitosa possível. Também precisamos comprar legumes e verduras cultivados organicamente.
Nós não ingerimos a raiva apenas através dos alimentos, mas também através dos olhos, ouvidos e com a consciência. O consumo de artigos culturais também tem relação com a raiva. Por isso, desenvolver uma estratégia de consumo é extremamente importante.
Os artigos e reportagens que lemos nas revistas e os programas a que assistimos na televisão também podem ser tóxicos, por causa da raiva e frustração que contêm. Os filmes são como um bife ou um ovo. Se encerrarem raiva, ao consumi-los estamos colocando para dentro de nós raiva e frustração. Os artigos dos jornais e até mesmo as conversas podem conter muita raiva. Pense um pouco nas vezes em que, depois de uma hora de conversa, as palavras de uma outra pessoa envenenaram você com uma grande quantidade de toxinas, Essa raiva ingerida certamente se expressará mais tarde. É por isso que precisamos estar permanentemente atentos e conscientes com relação ao que consumimos. Quando você ouve o noticiário, lê um artigo no jornal, vê um filme ou discute um assunto com outras pessoas, está assimilando o mesmo tipo de toxinas que ingere quando come de uma forma inconsciente.
Algumas pessoas se refugiam na comida para compensar as tristezas e a depressão. Comer demais pode criar dificuldades para o aparelho digestivo, contribuindo para o surgimento da raiva. Também pode gerar um excesso de energia que se transforma na energia da raiva, do sexo e da violência, se não soubermos lidar com ela. Quando comemos bem, comemos menos. Precisamos apenas da metade dos alimentos que ingerimos diariamente. Para comer bem, devemos mastigar a comida cerca de cinquenta vezes antes de engolir. Quando comemos bem devagar e transformamos o alimento que está na nossa boca numa pasta quase líquida, absorvemos muito mais os elementos nutritivos através do intestino. Quando comemos bem e mastigamos cuidadosamente a comida, nós nos nutrimos muito melhor do que quando comemos uma grande quantidade de alimentos mas não os digerimos adequadamente.
Comer é uma prática profunda. Quando como, aproveito cada porção da minha comida. Tenho consciência da comida, consciência do que estou comendo. Podemos praticar o comer consciente saber o que estamos mastigando. Mastigar a comida com muito cuidado e alegria. De vez em quando, parar de mastigar e entrar em contato com os amigos, a família ou o Sangha a comunidade de praticantes à nossa volta. Sentir que é maravilhoso estar sentados mastigando dessa maneira, sem nos preocuparmos com nada. Quando comemos conscientemente, não estamos ingerindo ou mastigando nossa raiva, ansiedade ou projetos. Estamos mastigando a comida que outras pessoas prepararam com amor, e isso, além de ser extremamente agradável, nos faz muito bem.
Quando o alimento na boca se torna quase liquefeito, você sente seu sabor com mais intensidade e a comida adquire um melhor paladar. Experimente mastigar assim hoje. Permaneça consciente de cada movimento da sua boca. Você descobrirá que a comida tem um gosto delicioso. Pode ser apenas um pedaço de pão puro. Mas é delicioso. Talvez você possa tomar também um pouco de leite. Eu nunca bebo o leite. Eu mastigo o leite. Quando ponho na boca um pedaço de pão, fico mastigando conscientemente durante algum tempo e depois tomo uma colher de leite. Eu a coloco na boca e continuo a mastigar conscientemente. Você não sabe como pode ser delicioso mastigar um pouco de leite e um pedaço de pão. Quando o alimento se torna líquido, misturado com a saliva, ele já está semidigerido, e quando chega ao estômago e ao intestino, a digestão se torna extremamente fácil. Grande parte dos nutrientes contidos no pão e no leite são absorvidos pelo corpo. Você adquire muita alegria e liberdade enquanto mastiga. Quando você come dessa maneira, ingere naturalmente uma quantidade menor de alimentos.
Ao se servir, tome cuidado com os olhos. Não confie neles. São os olhos que fazem com que você ponha comida demais no prato. Você não precisa comer tanto. Se aprender a comer com consciência e alegria, você se dará conta de que só precisa da metade do que seus olhos mandam você pegar. Por favor, tente. Uma combinação de alimentos bem simples, como abobrinha, cenoura, pão e leite, pode se transformar na melhor refeição da sua vida. É simplesmente maravilhoso.
Muitos de nós em Plum Village nosso centro de prática na França experimentamos essa maneira de comer e mastigar conscientemente, bem devagar. Tente comer desse modo. Vai ajudar seu corpo a se sentir muito melhor, o que será excelente para seu espírito e sua consciência. Volto a dizer: nosso olho é maior do que a nossa barriga.
Temos que fortalecer nossos olhos com a energia da mente consciente para saber exatamente de quanta comida precisamos. O termo chinês para a tigela de esmola usada pelos monges significa “o instrumento de medida adequada”. Usamos esse tipo de tigela para evitar sermos enganados pelos nossos olhos. Se a comida chegar à parte de cima da tigela, sabemos que ela é suficiente. Só aceitamos essa quantidade de alimentos. Se você conseguir comer dessa maneira, comprará menos alimentos e assim poderá comprar alimentos cultivados organicamente, que são mais caros, incentivando os agricultores que fizeram a opção de cultivá-los.
Todos precisamos de uma alimentação baseada na nossa disposição de amar e servir. Uma alimentação baseada na nossa inteligência. Os Cinco Treinamentos da Plena Consciência representam a maneira pela qual o mundo, e cada um de nós, pode escapar do sofrimento. Examinar profundamente o modo como consumimos é a prática do Quinto Treinamento da Plena Consciência.
Este treinamento da Plena Consciência está relacionado com a prática do consumo consciente, de seguir uma dieta capaz de nos libertar e libertar a nossa sociedade. Quando percebemos o sofrimento causado pelo consumo inconsciente, assumimos o seguinte compromisso:
“Comprometo-me a cultivar minha saúde física e mental, bem como a da minha família e da minha sociedade, comendo, bebendo e consumindo de um modo consciente. Prometo ingerir apenas alimentos que preservem a paz, o bem-estar e a alegria no meu corpo, na minha consciência e no corpo e na consciência da minha família e da sociedade. Proponho-me com determinação a não fazer uso do álcool, ou de qualquer outra substância tóxica, e a não ingerir alimentos ou absorver outros itens que contenham toxinas, como certos programas de televisão, revistas, livros, filmes e conversas. ”
Se você quer de fato cuidar da sua raiva, frustração e desespero, talvez considere a possibilidade de viver de acordo com esse treinamento da plena consciência. Se você ingerir bebidas alcoólicas conscientemente, talvez perceba que elas geram sofrimento. A ingestão do álcool causa doenças no corpo e na mente e provoca mortes na estrada. Comer e beber com plena consciência pode nos proporcionar uma compreensão libertadora.
Discuta uma estratégia de consumo consciente com as pessoas que você ama, com os membros da sua família, mesmo que sejam jovens. As crianças são capazes de entender esse problema, por isso devem participar das discussões. Juntos vocês podem tomar decisões a respeito do que comer e beber, dos programas de televisão a que devem assistir, do que vão ler e do tipo de conversas que vão ter. Essa estratégia visa a sua proteção.
Não podemos falar a respeito da raiva e de como lidar com ela sem prestar atenção a todas as coisas que consumimos. Converse com seu círculo mais próximo, procure estender a discussão para sua comunidade, se tiver chance envolva os meios de comunicação no debate a respeito de uma estratégia de consumo consciente. Em Plum Village, tentamos nos proteger da melhor maneira possível. Procuramos não consumir coisas que alimentam nossa raiva, frustração e medo. Para consumir de uma maneira mais consciente, precisamos discutir regularmente o que comemos, como comemos, o que fazer para comprar menos coisas e como ter alimentos de melhor qualidade, tanto os comestíveis quanto aquilo que consumimos através dos sentidos.
Do livro “Aprendendo a lidar com a raiva” de Thich Nhat Hanh. Via Sangha Virtual.

Fonte:https://budismopetropolis.wordpress.com/2017/11/26/consumo-consciente/

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