O BUDISMO TIBETANO E A PSICOLOGIA DE JUNG

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O Budismo Tibetano e a Psicologia de Jung


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30.03.2007
Este estudo tem por objetivo abordar os elementos do budismo, da escola tibetana, assim como aspectos da psicologia analítica fundada por Jung, no sentido de encontrar os pontos de conexões e similaridades existentes entre estes dois importantes sistemas de autoconhecimento.

O sistema budista

A vida de Buddha e origem dos fundamentos

Há mais de 2.500 anos, nasceu no norte da Índia, em uma região próxima à fronteira com o Nepal, no reino de Sakia, Siddharttha Gautama, filho do rei Suddhodana e de Maya-devi, a qual veio falecer sete dias após o nascimento. Seu pai, no sentido de protegê-lo, criou-o dentro de um cuidado especial, confinando-o dentro dos muros palacianos, a fim de que ele não pudesse vir a sentir qualquer tipo de sofrimento em contato com o mundo exterior.

Aos 29 anos, curioso em conhecer o que se passava fora daquele ambiente, ele sai do palácio e se depara com uma realidade desconhecida, pois dentro do reino não existiam velhos, assim como qualquer tipo de doença ou motivações que pudessem levar ao sofrimento.

Nos primeiros passos fora do palácio ele vê um ancião e, surpreso, procura falar com o mesmo. O ancião assustado foge e Siddharttha o segue. Na caminhada Siddharttha encontra pessoas doentes e se depara com uma pessoa morta, sendo cremada.

Até então ele não conhecia a velhice, a doença e a morte e essa visão deixou seu espírito profundamente abalado, passando a questionar a real natureza da vida, abandonando todos os prazeres e indo buscar as explicações para as anormalidades humanas e a origem do sofrimento.

Por seis anos ele mantém contato com inúmeros filósofos, sábios e eruditos e apesar de ter assumido  uma vida ascética, vivendo na floresta em total abstinência, ele não obtém êxito em sua busca, percebendo que o seu físico estava depauperado.

Diz a história que ele tem essa percepção, quando escuta um instrutor de cítara falando para sua aluna que as cordas do instrumento deveriam estar na tensão adequada para produzir o diapasão, para propagar o som na medida exata, pois uma corda muito frouxa não tem capacidade de produzir som algum e uma muito estirada romperia, não produzindo também o som necessário.

Siddharttha percebe que estava impondo ao seu corpo um rigor da tensão de uma corda, o que incapacitava a expressão de sua vontade espiritual.

Visto isso, ele se banha, faz uma alimentação adequada e senta sob a árvore Bodhi, figueira conhecida como a árvore da sabedoria, e entra em um processo de profunda meditação e neste processo após sofrer as tentações de Mara, resistindo-as, atinge a iluminação, o nível do desperto, o de Buddha.

Naturalmente essa história é rica em simbolismos, pois nos mostra o ciclo da evolução do espírito, que nasce puro, vive os prazeres do paraíso, vive em seguida o sofrimento e, após a compreensão da natureza da realidade e sofrer a noite escura da alma, atinge a iluminação.

Buddha, assim como os grandes mestres, não deixou nada escrito, sendo que os discípulos que escreveram sobre os seus ensinamentos. O primeiro discurso proferido foi o de Sarnath, local próximo à Benares, em que é lançado o fundamento do budismo, ligado à natureza do sofrimento.O Sofrimento e o caminho de libertação

Buddha, para expor a natureza do sofrimento, estabelece as quatro nobres verdades e o caminho óctuplo, que são fundamentos de todo ensinamento budista.

A primeira nobre verdade é a de que existe o sofrimento. Isso é inconteste, pois somos testemunhas vivas desse processo. Não viemos aqui para sermos felizes. Naturalmente não iremos nos atemorizar diante do sofrimento, mas temos que admitir que isso faz parte da natureza humana. Quem não sofre? O sofrimento é a vida. Nós sofremos para nascer, assim como em toda a trajetória até a morte, que pode ser a libertação suprema. Platão falava que "o corpo é o sepulcro de espírito". Ora, se o corpo é o sepulcro do espírito a morte, então, é libertação do espírito, talvez para a vida eterna e a iluminação.

A segunda nobre verdade diz que a fonte de todo o sofrimento reside no apego. Apego de qualquer natureza. Às posses materiais, às paixões, ou mesmo a uma vida hedonista, ou seja, toda submissão aos desejos do ego psicológico, aos atributos inferiores do homem, que é a sua personalidade. Este ego psicológico é diferente do Ego falado pela teosofia que corresponde ao verdadeiro homem, a sua essência espiritual, que é, portanto, incorruptível.

A terceira nobre verdade diz que é possível se libertar do sofrimento e a quarta nobre verdade nos revela o método a ser seguido para que isso seja conquistado que é o caminho óctuplo.

Para ilustrarmos essa questão da origem do sofrimento temos dois vetores, a linha do tempo e a linha dos valores, tangíveis ou não tangíveis.

Nascemos e vivemos na busca pela satisfação de prazeres materiais e não materiais, como obtenção de poder, sensações sensoriais, necessidade de sermos  reconhecidos e outros. Quando elegemos o objeto de prazer sofremos para obtê-lo e quando conseguimos, esse objeto nos dá uma felicidade, mas extremamente passageira, pois o desejo foi saciado e, em seguida, nós já estamos a eleger um segundo objeto de conquista.

E agora sofremos duplamente, pois sofremos para obter o novo e sofremos para manter o conquistado. E, quanto mais vivemos, mais vamos agregando coisas inúteis à nossa existência.  A lógica do sofrimento é esta. É ilógica!

Como podemos fazer para cessar o sofrimento?

Evitar a viver neste processo!

Fala-se no Budismo que vivemos em Samsara, cujo termo tem duas conotações. Temos a roda de Samsara que é a roda de nascimentos e mortes, mas tem por significado também o andar em círculos e é este o sentido que estamos aplicando. É o perpétuo móbile, que tem a origem na ignorância, na ilusão centrada na permanência nas coisas, promovida pelo eu ávido.

Nós não temos a nítida compreensão de que tudo isso (o processo de obtenção e acúmulo), é na realidade efêmero.

Normalmente percebemos isso quando chegamos ao fim da vida; a perspectiva de vida agora é limitada e nós questionamos os porquês de se ter tanto para viver.

Assim, o caminho óctuplo envolve as seguintes assertivas:

É necessário que se tenha o entendimento correto, passando pela compreensão de todo esse mecanismo do sofrimento.

Ora, se eu entendo corretamente as coisas, as relações de causas e efeitos, eu tenho que pensar de forma correta, envolvendo tanto o propósito de atitudes, como aquilo que eu aspiro da vida, em consonância com o entendimento correto.

Se eu entendo e penso corretamente eu devo zelar pela minha fala. Não posso vir a falar coisas de forma a afrontar à reta compreensão e ao reto pensamento.

A mal fala envolve desde o comentário maledicente até a fala de coisas inúteis, vazias, que nada agregam ao desenvolvimento sadio de nossas vidas.

Percebemos que este processo é uma escada, cujos degraus vão impondo uma dificuldade maior na caminhada.

Assim temos, em seguida, a ação correta, o modo de vida correto, o esforço correto, diligência e atenção corretas e por último, concentração e meditação corretas.

Eu vejo que muitas vezes esse processo é subvertido em sua ordem, pois têm muitas práticas de apelo comercial que compelem à meditação, sem, contudo, observar todas as exigências que o caminho impõe.

Como podemos entrar em um processo de interiorização, reflexão meditativa, se eu não atendo aos aspectos éticos que o caminho me exige.

Naturalmente não vai ser uma meditação saudável, não atingindo ao objetivo que se propõe.

Estes princípios estabelecidos pelo Sr. Buddha resultaram em uma série de interpretações.
 

O Budismo é multifacetado, existindo diversas escolas, diversas tendências, diferentes filosofias que se desenvolveram, mas podemos fazer algumas divisões, mais para a compreensão didática.

Os dois primeiros fundamentos estão ligados à sabedoria, pois é sábio quem entende e pensa corretamente. No entanto isso não é uma questão intelectiva, pois às vezes encontramos pessoas muito simples iletradas, mas profundamente sábias e que entendem essas questões de maneira intuitiva e as praticam. 

Os quatros fundamentos seguintes estão ligados mais aos aspectos éticos, pois a fala correta, a ação correta, o modo de vida correto e o esforço correto, remetem a questões atitudinais, lembrando que ética esta ligada a ações praticadas que não levem prejuízos a qualquer semelhante e para a ética budista essa questão tem um envolvimento mais amplo, pois não se pode excluir os seres sencientes (os animais), pois este é o princípio da ahimsa, a doutrina da não-violência.

Os últimos dois fundamentos dizem respeito à disciplina mental.

A Escola Vajrayana – O método de libertação psicológica

Dentro da prática budista tivemos dois grandes desdobramentos, que são as escolas Hinayana e Mahayana.
A Hinayana envolve mais os aspectos ligados aos seis primeiros fundamentos e a Mahayana aos dois últimos. Todas, naturalmente, praticam os oito fundamentos, mas as ênfases são diferentes.

A escola Hinayana, a Theravada, que é a mais antiga, desenvolveu-se mais no sul da Índia e no Sri-Lanka e a Mahayana, que se desenvolveu posteriormente, tendo como precursor Nagarjuna, que foi um monge e grande filósofo, um reformador que pavimentou a criação da escola Mahayana que prosperou ao norte da Índia, no Tibet, no Nepal, na China, no Japão, ramificando em outras escolas como a Terra-Pura, o Zen-Budismo.

O ideal do adepto da escola Hinayana é atingir a condição de Arhat, ou seja, aquele que se iluminou e saiu da roda de Samsara, não necessitando mais voltar.

O ideal do adepto da escola Mahayana é atingir a condição de Boddhisattva, pois não basta ser Arhat. Ele sai da roda, mas por compaixão ao ser humano ele retorna. É a história dos Mestres e dos seres iluminados que transcenderam e continuam a ajudar à humanidade na busca da salvação.

Dentro da escola Mahayana, no Tibet, desenvolveu-se outra escola que é a Vajrayana, o coração esotérico do budismo. Antes da entrada do Budismo no Tibet, que se deu por volta do VII século d.C., já existia uma religião xamânica nativa denominada Bon que em certa medida influenciou essa nova escola, embora o atual Dalai Lama diga que o Lamaísmo seja o mais puro e sublime Budismo, mas eu acredito que foram incorporados sim alguns aspectos, haja vista a consulta a oráculos cujo principal é Dordje Drakden, uma divindade protetora que fornece conselhos. Essa divindade é incorporada por um monge. O Budismo no Tibet encontrou um terreno fértil para o desenvolvimento das manifestações esotéricas.

Vajrayana corresponde ao caminho diamantino, sendo que segundo os Budistas Tibetanos sua prática pode levar ao processo de iluminação em uma única vida. O Vajrayana é também conhecido por Tantrayana, mas sem a conotação errônea da maithuna que se dá.

A sua prática requer três componentes: A renúncia, a motivação iluminada e visão concreta da realidade.
Jung também fala que todos nós ansiamos pela iluminação, independente do nível de evolução que nós tenhamos.

O que nos puxa para baixo é o eu ávido, atrações contrárias do que realmente nós procuramos, mas no centro do coração de todos os seres encontra-se a chama divina, que um dia irá se manifestar na busca da iluminação. Muitos não sabem disso, mas chegará o momento em que serão tocados.

O Budismo fala de dois estratos, que é o da consciência, o da mente desperta, que está em contato com a realidade da vida e o estrato da inconsciência, que é a escuridão da mente, o que a pessoa desconhece, não só em termos cognitivos, como também espirituais, ou seja, a falta de percepção do que é divino, do que é espiritual, ou aquilo que não é tangível e compreendido pela natureza na consciência, da mente desperta para as coisas materiais da vida.

A emancipação do sofrimento, então, requer a renúncia não somente aos desejos como também de todas as formas de alienação, a moldarmos artificialmente aos padrões esperados pela sociedade e pelas relações impostas pelos outros, descaracterizando a nossa real aspiração.

A emancipação do sofrimento requer também a motivação iluminada, Bodhichitta, que é a empatia pelo sofrimento alheio e que leva a atingir a iluminação em prol do outro, ou seja, a compaixão.

A emancipação do sofrimento requer, por último, a visão correta da realidade que é a visão do vazio, chamado Sunyata, que depende do desenvolvimento da sabedoria intuitiva e do conhecimento da não-dualidade. O vazio não significa a vacuidade simples, mas sim o vazio que envolve o todo. A percepção clara de que não existe dualidade e que estamos todos integrados com o todo, pois nada existe fragmentado.

Para isso são praticados os mantrans que estão correlacionados com a fala, os mudras que estão correlacionados com o corpo e a meditação correspondendo à mente. Trabalha-se então com a fala, com o corpo e com a mente, que são os fundamentos a serem observados. Mantrans têm poderes vibracionais permitindo-se adentrar nos planos sutis, enquanto mudras abrem e fecham circuitos e polaridades energéticos.

O método usa muito a meditação e a visualização, sendo que a imaginação é fundamental. A meditação acalma, domestica e disciplina a mente, para alcançar a concentração em um ponto, cultivando a concentração e conscientizando-se.

Já a visualização envolve a construção de imagens mentais, que podem ser divindades serenas e belas, mas que podem ser também coléricas e aterradoras, que a pessoa se identifica, sendo pura criação da imaginação, mas que servem de guia no processo de libertação, pois tem função arquetípica fundamental.

Temos a presença do guru que é fundamental no processo, pois é ele quem constrói e dá ao discípulo a figura mental necessária, sendo a divindade protetora para a sua caminhada, que pode ser um velho sábio, uma imagem feminina, a grande deusa. No processo, entretanto, estas imagens podem se transformar, razão pela qual isso deve ser exercido dentro de muitos cuidados, pois existem perigos latentes. A princesa adormecida pode se transformar em uma devoradora. A grande deusa pode se transformar em Mara. Essas imagens acabam sendo autônomas, tendo vida própria e se não houver os necessários cuidados podem se transformar em perigos ao praticante.

Nos templos budistas vemos uma série dessas expressões antropomórficas, que são Dakinis, Yidans, Vajra Yogini, Taras. Não se trata de um panteão de divindades. Mas são expressões arquetípicas. Dakini significa éter, vazio, não tem forma, mas sim a forma mental impregnada pelo discípulo. Podemos compará-las aos elementais artificiais, com todos os perigos que eles oferecem. Isso tudo tem que ser muito bem orientado. Vajra Yogini é a correlata a Anima de Jung, que é a parte feminina da natureza masculina, assim como as Taras constituem-se no aspecto feminino de Brahma.

 Todo esse reino tem por função fazer emergir o espiritual na pessoa. O transpessoal.

Para se evitar os perigos falados, a prática é precedida por um processo de esvaziamento da mente, aí passa-se pela construção da imagem e antes do término da prática passa-se novamente pelo esvaziamento, pelo desfazimento da imagem que foi objeto da mentalização.

O caminho da espiritualidade é árduo, pois muitas pessoas se enveredam por determinadas trilhas estando sujeitas a cair nas garras desse mundo desconhecido, que é o mundo do inconsciente. Pode-se desenvolver patologias, como a esquizofrenia, por exemplo.

Quanto ao aspecto visual temos as mandalas, que têm uma grande importância, pois apresentam as polaridades e os paradoxos existentes na vida.

A mandala permite se realizar a síntese das polarizações, dos conflitos humanos.

Quem já não fez mandalas?  Fazer mandala é uma forma de transpor de forma inconsciente para o papel os seus próprios conflitos.

O nome mandala é sânscrito, mas está presente em todas as culturas, às manifestações xamânicas, na arte gótica, na islâmica, enfim, é inerente ao homem, ao inconsciente coletivo.

No Tibet o uso da mandala talvez tenha alcançado o ápice, pois sintetiza justamente os aspectos tratados pelo Budismo, que é a polaridade e a impermanência, a efemeridade da vida.

Lá, as mandalas são construídas em areia, para depois de concluídas serem desmanchadas, como a representação desta transitoriedade das coisas. É uma visão muito bonita. 

A libertação não é alcançada pelos livros ou pelo conhecimento abstrato, mas sim requer um mestre espiritual, um amigo, que irá estimular o despertar da consciência. O guru representa um modelo que é próprio guru supremo, o Buddha. Embora esse guru seja uma representação projetada, na realidade o guru está no interior de cada um e isso que deverá ser encontrado. É o Cristo interior.

O sistema Junguiano

Carl Gustav Jung, nascido na Suíça, no ano de 1875, desde pequeno já percebia no seu interior algo que o fazia diferente de outras crianças, pois ele encara a vida dentro de uma ótica mais amadurecida, como se tivesse outra personalidade que ao longo de sua vida foi desabrochando, ganhando força e vida com o decorrer de sua existência.

Jung fez medicina e se tornou psiquiatra e no início do século XX ele conhece Freud, que viria a ser o seu mentor e maior amigo. Dizem que no primeiro contato com Freud, os dois conversaram ininterruptamente por mais de 13 horas, pois a identificação entre os dois foi muito grande.

O rompimento ocorrido, embora traumático para Jung, na realidade se demonstrou benéfico, pois a partir daí é que ele fundamenta toda a sua teoria. Mas não foi fácil. Ele permanece durante 6 anos, praticamente confinado em uma torre que manda construir e é lá que ele tem suas piores crises, a sua noite escura da alma, o processo que antecede as transformações espirituais.

Neste período ele chegou a desenhar uma mandala por dia, como uma forma de reintegrar os seus conteúdos inconscientes.

Jung teve muito contato com o conhecimento oriental, ocorrendo fenômenos de sincronicidades. Ele pensava em um assunto e um amigo o presenteava com um livro sobre o tema. Foi assim como um livro de preceitos taoístas, denominado "O Segredo da Flor Dourada", tem também o "Bardo Todol" que é o "Livro Tibetano dos Mortos". Bardo significa “entre marcos” ou “entre ilhas”, sendo um tratado sobre a erraticidade da alma e que é um guia orientativo para a morte, mas eu diria que é o “livro tibetano da vida”, pois segundo ele existe vida após a morte. Enfim todo esse universo, assim como o mundo da alquimia, impregnou muito as suas idéias. Todo esse legado, taoista, budista, alquímico, o influenciou profundamente.

Segundo Jung a estrutura da psique é constituída pelo ego psicológico, que denomina sombra, a animus que é o aspecto masculino na mulher e anima que já falamos, é o aspecto feminino no homem, assim como o si mesmo, que é o Self ou a individualidade.

Para nós teosofistas, a psique envolve tudo o que está entre o corpo físico e o Ego teosófico, ou o Eu-Superior (Atma, Buddhi e Manas). Buddhi e Manas correspondem ao Self.

Jung classifica quatro tipos humanos: o pensativo, o sentimental, o intuitivo e o perceptivo. Os dois primeiros ligados a funções racionais e os dois últimos ao irracional. Todos nós nos enquadramos em um destes tipos, eventualmente em dois e às vezes alguns poderão dominar três, mas os quatro juntos não é possível dentro de uma condição normal.

O processo de individuação leva à integração destes quatro tipos, sendo utilizada a linguagem do inconsciente coletivo, que envolve os mitos, os sonhos, ou seja, o mundo dos arquétipos que são conteúdos do inconsciente coletivo. São imagens primordiais sem conteúdo, formas de pensamento, gravadas na constituição psíquica, que já eram de conhecimento dos budistas, conforme já mencionamos.

Sem este fator, segundo Jung, é impossível de se chegar ao Self. O Self é a quintessência dos arquétipos, sendo o princípio organizador, guia e unificador que dá direção à personalidade e sentido à vida. É o ápice do crescimento pessoal que leva a auto-realização, ou seja, é o homem eterno, a divindade no homem. É atemporal, único, eterno e universal.

O inconsciente coletivo, que é parte da psique, deve-se à hereditariedade e não às experiências pessoais. Isso está numa camada, num estrato, que todos podem acessar de uma maneira inconsciente.

Podemos fazer uma analogia aos registros Akashicos ou registros búdicos. Ele diz que o inconsciente é constituído por material esquecido ou reprimido.

Jung fala ainda em psique subjetiva que é o inconsciente pessoal e a psique objetiva, impessoal, transpessoal, essa sim o inconsciente coletivo.

O conceito de ego segundo Freud e isso se aplica às condições da psique de Jung, é como um coitado, pois está pressionado pelo Id, que é o aspecto de desejos inconscientes, hereditários, transcendentes, que leva ao prazer.

O ego submetido ao id vive uma vida de prazeres, condicionado àquela estrutura que vimos no início. A roda de prazer e dor, que leva ao sofrimento. Por outro lado Freud diz que existe o superego, que é o que impõe as regras, todos os limites, sendo o castrador. A pessoa também que é submetida ao superego também vai sofrer. O ego também é confrontado com o mundo exterior, com todos os perigos latentes. O ego então fica confinado a essas condições da vida, duas internas e uma externa.

O desenvolvimento do método de Jung foi desenvolvido através da sua própria experiência. Ele percebe que o método funcionou para ele e conclui que é possível ser aplicado a outros, constituindo-se em um modo revolucionário de analisar essas questões da espiritualidade sob o prisma científico que necessita ter uma metodologia controlada.

O método é chamado de psicologia analítica. Inicialmente ele chamou de psicologia dos complexos.

Jung diz que a pessoa que passa pelo processo tem que necessariamente assumir um compromisso ético, pois uma vez que se tenha descoberto a sua patologia ele tem um compromisso ético em relação àquilo, que é a ideia do budismo. Pois se você se conscientiza, entende e pensa corretamente, tem que assumir uma postura ética que é a fala, a ação, o modo de vida e o esforço, corretos.

A função de todo o processo é curadora, tanto é que em seu livro "Memórias, Sonhos e Reflexões" Jung diz  "A Cura das Almas é minha missão".

A psicologia de Jung cura a alma e não é simplesmente um processo de ajuste da personalidade e cura de sintomas.

É um processo de Integração da personalidade, autônomo e inconsciente, a determinar um impulso natural para autorealização, podendo tornar-se atividade consciente. A personalidade é nutrida com luz e o consciente estende-se.

O processo, embora seja inconsciente, pode tornar-se atividade consciente, direcionado pela própria pessoa.

Como no Budismo, é o princípio da função que transcende, existindo uma luta contra as forças opostas entre o inconsciente e o inconsciente, representada pelas mandalas.

Esse processo de alimentação mútua, onde o consciente clareia o inconsciente e este nutre o consciente, harmonizando os conteúdos, permitindo que o inconsciente sussurre e se perceba as mensagens, fazendo como que a personalidade seja transformada, desenvolvendo a plenitude.

É um processo que permite se contatar o numinoso, ou seja, tudo aquilo que foge da esfera do fenômeno material. É o universo que é o que é, sem conceitos, que é a percepção budista da vacuidade; o não temporal e o não local, o uno, Sunyata, conforme já citamos.

É interessante conceituar o que é desenvolvimento, já que muitas vezes não prestamos muita atenção no significado das palavras.

O conceito é um pouco diferente que normalmente estamos habituados a considerar. Pode-se acreditar que para o desenvolvimento são requeridas ações externas ao meio, mas na realidade desenvolvimento requer uma interiorização. O que é desenvolver? O que significa embrulhar? É revestir algo com alguma coisa. O que é desembrulhar? É tirar o revestimento de algo. O que é envolver? O mesmo que revestir, embrulhar. Desenvolver-se, então, é desembrulhar-se.

Nós temos que desembrulharmos de nosso corpo físico, astral e mental, para atingirmos a pedra preciosa e incorruptível que está no âmago de nosso ser. Não no sentido de negligenciarmos esses corpos, mas de submetê-los à vontade do nosso Eu verdadeiro.

Nós devemos ser os jogadores, mestres de nosso tabuleiro da vida, e não meros peões. Não devemos nos submeter aos condicionamentos sociais. 

Mas voltando ao processo...

Na realidade não existe um método rígido, sendo que o terapeuta é um facilitador do desenvolvimento das possibilidades criativas do paciente. O terapeuta deve ser livre de preconceitos e teorias, deve compreender o indivíduo e deixar que a natureza seja o guia.

A criatividade é um fator importante no processo, através da arte é possível se fazer a síntese. Muitas pessoas têm medo de serem criativas, por egoísmo. O ato de gerar um objeto da criação, uma vez concebido, não pertence mais a quem criou. Uma música, uma pintura, um poema, um filho. Depois de criado não pertence mais ao criador. As pessoas às vezes reprimem a sua capacidade criativa por egoísmo.

O processo além de estimular o extravasar do que está reprimido, provoca um estado mental calmo e livre de pensamentos e sem julgamentos e a observar os desdobramentos dos conteúdos inconscientes, que é similar à meditação.

Jung disse também que as experiências resultantes dos contatos mantidos com o universo do inconsciente devem ser registradas por escrito ou por desenhos, que são expressões criativas.

A ação deve ser pautada pela não-ação, ou seja, deixar-se ir, deixar fluir, pois isto é a chave que abre a porta do caminho, pois a consciente individual está a sempre interferir e não permite a fluidez.

Podemos associar este consciente pessoal com a mente concreta, que analisa, critica e julga. O que Blavatsky menciona na "Voz do Silêncio" que  "A mente é a grande assassina do real. Que o discípulo mate a assassina".

Com esse processo de interfusão e união dos opostos resulta-se na consciência crescente e na amplitude da personalidade transformada, emergindo um “novo ser”.

Emerge um novo centro de personalidade, o Self, o Eu superior, diminuindo a tendência do ego, do eu Inferior, atraindo para si tudo que pertence à unicidade, cessando o superficial e o não essencial.

Na realidade, segundo Jung,  todo esse processo é de autoeducação, não existindo cura pessoal sem a retomada da perspectiva religiosa da vida.

Jung menciona em seu livro "A Prática da Psicoterapia" que "O processo de individuação leva ao nascimento de uma consciência da comunidade humana, justamente porque nos torna cônscios do inconsciente, que une e é comum a toda a humanidade. A individuação é uma reconciliação consigo mesmo e ao mesmo tempo com a humanidade, visto que somos parte dela".

Síntese dos aspectos similares e das diferenças


Quem quiser aprofundar mais no estudo do tema, recomendamos a leitura, além dos livros de Jung, os livros "Psicologia de Jung e o Budismo Tibetano" de Radmila Moacanin e "A Sincronicidade e o Tao" de Jean Shinoda Bolen, estes dois da Cultrix.

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